A nouvelle vague, onda encabeçada pelos turcos da Cahiers du Cinéma, responsável por chacoalhar as estruturas do cinema francês (mas, como vimos, não só dele), é mais comumente associada a Jean-Luc Gordard, François Truffaut, Jacques Rivette, Eric Rohmer e Claude Chabrol. Contudo, Alain Resnais, espécie de patriarca da pródiga geração, embora não tão mais velho que a maioria, tem lugar cativo nesse momento histórico de renovação. Nascido em 03 de junho de 1922, na pequena Vannes, Alain Pierre Marie Jean George Resnais se interessou desde muito cedo por cinema, fazendo seu primeiro curta-metragem aos 13 anos, após adquirir a tão desejada câmera. A essa realização diletante, seguiu-se a inscrição no curso de teatro Simon em 1940, e o ingresso no IDHEC (Instituto de Estudos Superiores de Cinema), em 1943.

Logo veio a profissionalização. Já nos primeiros anos, dedicados essencialmente ao documentário, evidenciaram-se dois traços que, aliás, apareceram na obra de Resnais com frequência: o tempo e a memória. Nessa fase inicial, destaque para o que podemos considerar a primeira de suas obras-primas: Noite e Neblina (1955). Encomendado pelo Comitê da História da Segunda Guerra Mundial, o média-metragem registrava locais que serviram como campo de concentração, em meio à narração do texto de Jean Cayrol, sobrevivente do holocausto. É até hoje um dos mais impressionantes manifestos artísticos contra os horrores da Segunda Guerra Mundial e a perseguição nazista aos judeus. Por ele, o diretor recebeu o Prêmio Jean Vigo, em 1956.

A estreia na ficção de longa-metragem não poderia ser mais impactante. Hiroshima Meu Amor (1959), com roteiro de Marguerite Duras, impressionou pela maneira como mesclava passado e presente, subvertendo a linearidade em função de uma narrativa poética até então bastante incomum. A história mostrava o encontro amoroso entre uma atriz francesa (Emmanuelle Riva) e um arquiteto japonês (Eiji Okada) em Hiroshima, quatorze anos após o final da Segunda Guerra mundial. Na sequência, Resnais lançou O Ano Passado em Marienbad (1961), baseado no roteiro de Alain Robbe-Grillet, obra considerada até hoje por muitos como um labirinto tão hermético quanto genial, pela qual ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Seu terceiro longa-metragem, Muriel (1963), surgiu novamente da escrita de Jean Cayrol, cujo trabalho havia contribuído à construção de Noite e Neblina.

Mesmo não escrevendo os próprios roteiros, o cineasta sempre foi considerado um autor pleno. Ainda que a cartilha da nouvelle vague, principal defensora do purismo autoral, conferisse esse posto de honra apenas aos artistas incumbidos integralmente de direção e texto, Resnais provou que pela forma também se cunha singularidade. Na seara particular, casou-se em 1969 com Florence Malraux (filha do escritor francês André Malraux), sua assistente de direção na maioria dos filmes feitos entre 1961 e 1986. Mais tarde, em 1988, uniu-se a Sabine Azéma, atriz quase 30 anos mais jovem que, da mesma maneira, participou intensamente de sua produção. Ao longo da fecunda carreira, o francês acumulou muitos prêmios, entre os mais significativos, cinco César (maior láurea do cinema francês), três como melhor filme e dois como melhor diretor, dois Ursos de Prata em Berlim, três prêmios na Mostra de Veneza e uma distinção especial do júri de Cannes.

Se nos anos 1980 Resnais não exibiu o mesmo fôlego de outrora, dos 1990 em diante grandes realizações mostraram que ele, na verdade, não parava mesmo de se reinventar, de buscar o novo. São provas dessa vivacidade, Smoking e No Smoking (1993), Medos Privados em Lugares Públicos (2007) – curiosidade: exibido todos os dias desde a estreia em 2007 até janeiro de 2012, véspera do fechamento do Cinema Belas Artes, em São Paulo – e Ervas Daninhas (2009). Seus últimos dois filmes, Vocês Não Viram Nada (2011) e Amar, Beber e Cantar (2014), estabeleceram uma comunicação fértil entre cinema e teatro. Alain Resnais morreu no dia 01 de Março de 2014, aos 91 anos, em Paris, cercado pela família. Deixou em torno de 50 filmes como principal legado, parte de uma carreira das mais significativas do cinema.

Filmes imprescindíveis: Hiroshima Meu Amor (1959), O Ano Passado em Marienbad (1961) e Noite e Neblina (1955);

Filme esquecível: Melodia Infiel (1986), no qual flerta com o melodrama;

Maior sucesso de bilheteria: Amores Parisienses (1997), musical que utiliza canções populares francesas para ilustrar a ciranda sentimental de seus personagens;

Primeiro filme: Hiroshima Meu Amor (1959);

Último filme: Amar, Beber e Cantar (2014), concorrente ao grande prêmio no Festival de Berlim, que levou para casa o prêmio da crítica;

Guilty pleasure: Morrer de Amor (1984);

Oscar: Indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 1963 por O Ano Passado em Marienbad;

Frase inesquecível: “Diz-se que há no cinema uma tradição Méliès e uma tradição Lumière. Acho que também há uma tradição Feuillade, que utiliza maravilhosamente o fantástico de Méliès e o realismo de Lumière”.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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