Equipe de Gloria em Berlim / Copyright Berlinale

Provavelmente a única lógica temática do Festival de Berlim desse ano é a temática das mulheres. De todas as idades, proveniências geográficas e classes sociais, elas estão à procura da tal felicidade. A dependência financeira é fato-chave nesse desenvolvimento, que de fato é global. Com a garantia de uma maior liberdade de recursos, a procura pela realização deslancha por outros caminhos, muitos deles tortuosos, mas como diz um ditado em alemão: “o caminho é o objetivo“.

As irmãs de Meine Schwestern (2013), filme do diretor alemão Lars Kraume, procuram resgatar suas biografias em dias de férias numa ilha do mar do norte. Enquanto uma delas, que se encontra em estágio terminal de câncer, decide passar o resto dos dias sem seu marido, a outra decide mudar não só de rumo, mas também de cidade. Já a jovem do argentino Habi, la Extranjera (2012) nota que o príncipe encantado, estava fantasiado de sapo em uma egotrip de anos.

Cena de Meine Schwestern, de Lars Kraume

Por outro lado, no filme chileno Gloria (2012), do diretor Sebastián Leilo, a protagonista vivida magistralmente por Paulina Garcia é uma mulher sessentona, divorciada há mais de 10 anos, com filhos criados e emprego fixo. Para driblar a solidão das noites, ela frequenta discotecas para um público acima dos 50. Entre uma empreitada amorosa efêmera e outra, ela encontra Rodolfo, separado há um ano, mas com a ex e duas filhas constantemente no seu encalço. Depois das primeiras semanas de arrebatamento emocional e sexual, a imaturidade de Rodolfo, interpretado por Sergio Hernández, aos poucos vem à tona.

Mesmo que não isento de ‘buracos’, o roteiro escrito por Lelio em parceria com Gonzalo Maza consegue credibilidade mostrando em doses homeopáticas, e ao mesmo tempo intensas, essa manifestação de imaturidade. Gloria é um dos primeiros filmes na Berlinale em que é possível se enxergar a mão do diretor.

Na coletiva de imprensa, Paulina Garcia falou sobre a proximidade existente entre os atores principais e o diretor durante as filmagens. De “Águas de março“, de Antonio Carlos Jobim, soam o verso “….e a promessa de vida pro meu coração…”, que ratifica a sede de Gloria por novos caminhos, novas possibilidades, sempre à procura da tal felicidade. Já no final, depois de várias cenas recheadas de humor e desespero, a rainha do rock Rita Lee embeleza com “Lança perfume” e, pra arrebatar de vez, a conclusão se dá em uma viagem de carro pelas ruas de Santiago com a música homônima do filme. Mas, antes de tudo isso, Rodolfo ainda vai dar provas exaustantes de imaturidade. A incapacidade de homens de mais de 60 anos com casamentos fracassados seria algo global, afirma o diretor.

Cena de Gloria, de Sebastián Leilo

A delicatesse cinematográfica em Gloria fica por conta das cenas entre a protagonista e Rodolfo, aparentemente em trâmites do dia-a-dia, como um almoço num restaurante, ou uma chegada no balcão de um hotel. Tudo suscita aparentemente à normalidade, enquanto os diálogos vão nos levando numa montanha russa entre e possibilidade e a impossibilidade do relacionamento.

A tensão nos diálogos é tão grande que o toque do celular e tudo o que ele implica dá ao filme um tom hitchcockiano. Ao contrário da maioria dos jornalistas em Berlim, não vejo Gloria levando o prêmio principal, mesmo sendo a desse ano a programação mais fraca das últimas edições. Paulinia Garcia, sim, deveria deixar um espaço extra na mala para o Urso de Prata (de melhor atriz).

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é carioca, radicada na Alemanha, e cobre o Festival de Cinema de Berlim desde 1998. Formada em Letras no RJ e em Gestão Cultural em Berlim, é também Curadora da Mostra Perspectiva América Latina, na Oficina das Culturas (Werkstatt der Kulturen), na capital alemã.
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