Curadoria de festivais de cinema é um processo curioso e, ao mesmo tempo, complicado. Se os atuais curadores do Festival de Cinema de Gramado são responsável pela evidente melhora na escolha de longas nacionais, por outro lado tem-se percebido desde o ano passado um decréscimo na qualidade dos selecionados estrangeiros. Talvez dois júris de seleção separados, uma para cada mostra, fosse mais indicado. No sétimo dia da programação oficial do 41° Festival de Gramado essa disparidade ficou ainda mais embrulhada, e por três motivos: primeiro, o longa estrangeiro é uma coprodução com o Brasil, realizada por um cineasta brasileiro, e cerca de 50% de sua trama é falada em português. Ou seja, tal separação soa, no mínimo, estranha. Depois, tivemos o representante nacional, que já fora exibido em vários outros festivais e chega até a Serra Gaúcha precedido por péssimos comentários – e tamanha decepção se confirma na tela grande. E por fim tivemos o fato de que um dos melhores filmes de todo o evento ter sido exibido à tarde, fora de competição e numa mostra paralela, de menor visibilidade. Infelizmente.

Equipe Cinco Maneiras de Fechar os Olhos / Foto Itamar Aguiar

Cerca de uma dezena de longas foram finalizados no Rio Grande do Sul no último ano. Como a relação entre o cinema feito no estado com o Festival de Gramado sempre foi muito forte – e como é logisticamente impossível incluir todos estes trabalhos na mostra competitiva principal – organizou-se uma programação paralela, a Mostra Cinema Gaúcho de Longas-Metragens, com a exibição, sem caráter competitivo, de sete obras. Na quinta-feira o filme selecionado foi o independente Cinco Maneiras de Fechar os Olhos, codirigido por cinco estudantes do curso de graduação em Audiovisual da PUC-RS. E este título, que já havia sido exibido em Porto Alegre no final de 2012, possui evidentes méritos e notáveis qualidades, que foram realçadas pelo convite do festival. Sua participação, no entanto, poderia ter sido potencializada caso tivesse ganho espaço num horário mais nobre.

Ralfe Cardoso, Othon Bastos, Domingos Oliveira e Maitê Proença / Foto Cleiton Thiele

A mostra competitiva de curtas-metragens nacionais apresentou três títulos na sétima noite. Colostro (SP), de Cainan Baladez e Fernanda Chicolet, é muito eficiente em sua ambientação, com uma boa atuação da protagonista (a própria Chicolet), ao criar um clima sombrio envolvendo depressão pós-parto que remete ao clássico Bebê de Rosemary (1968). Porém, o final abrupto e inconclusivo decepciona. Já o documentário Carregadores de Monte Serrat (SP), de Cassio Santos e Julio Lucena, é competente ao registrar a curiosa profissão de carregadores de compras nas gigantescas escadas da cidade de Santos, no interior paulista, mas carece de uma maior ousadia narrativa. Por fim há o sinistro Arremate (BA), de Rodrigo Luna, que parte de um interessante argumento – um homem negocia com uma operadora de telemarketing uma solicitação de resultados catastróficos – mas não vai muito além, resultando mais num divertido exercício de linguagem do que numa obra que se sustente sozinha.

Equipe A Oeste do Fim do Mundo / Foto Cleiton Thiele

Após muita expectativa, chegou-se ao momento da exibição do quinto concorrente da mostra competitiva de longas estrangeiros. E o selecionado desta noite foi A Oeste do Fim do Mundo, de Paulo Nascimento, realização da gaúcha Accorde Filmes em parceria com produtores argentinos. A obra, também escrita pelo diretor, é um bonito e melancólico retrato sobre duas pessoas, cada uma carregando suas próprias feridas, que se encontram nos pés da Cordilheira dos Andes, na Patagônia. O protagonista Cesar Troncoso dá um show de interpretação, e a bela fotografia de Alexandre Berra consegue oferecer um olhar singular a um cenário por si só encantador. É, certamente, o trabalho mais completo de Nascimento, dono de qualidades técnicas inegáveis que deverão ser lembradas pelo júri oficial.

Equipe Primeiro Dia de um Ano Qualquer / Foto Itamar Aguiar

Se a seleção de estrangeiros teve um ponto alto, o mesmo não pode ser dito em relação ao competidor nacional. Primeiro Dia de um Ano Qualquer, comédia de situação do mestre Domingos Oliveira, representa um passo em falso em sua grandiosa carreira. Redundante e vazio, o filme registra um grupo de amigos na manhã seguinte a um réveillon de efeitos inesperados, com as mesmas discussões de sempre: casais se apaixonam, se traem, se separam, e a vida continua. A percepção geral é de um amontoado de esquetes sem muito sentido, algumas dignas de um programa do nível do global Zorra Total (que constrangimento, Ney Matogrosso!). Bem humorado e repleto de diálogos (poucos, no entanto, inspirados como nos melhores momentos de Oliveira), é tão esquecível quanto o primeiro dia de qualquer ano. O título, ao menos, faz sentido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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