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Sinopse

Alex nasceu com características genitais masculinas e femininas. Seus pais a levam para uma casa isolada nas dunas, não impondo uma cirurgia definidora ou algo assim. Alex se apaixona por um jovem recém-chegado ao local.

Crítica

Produção argentina de 2007, XXY, de Lúcia Puenzo, chegou até os cinemas brasileiros com duas credenciais muito fortes: recebeu o Prêmio da Crítica no Festival de Cannes e foi escolhido para representar seu país na disputa por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Isso tem um significado todo especial porque até aquele momento o único filme latino-americano a ganhar essa categoria no Oscar foi A História Oficial (1985), de Luis Puenzo, pai da diretora. Além disso, XXY ganhou o Goya (o Oscar espanhol) e o Ariel (o Oscar mexicano) de Melhor Filme Latino Estrangeiro, foi o grande vencedor da premiação dos críticos de cinema da Argentina (Melhor Filme, Roteiro e Atriz, para Inés Efron) e ganhou os festivais de Atenas (Grécia), Bangkok (Tailândia), Cartagena (Colômbia), Edinburgo (Escócia), Montreal (Canadá) e São Francisco (EUA), entre outros. Créditos suficientes para ter um olhar mais apurado em relação a este trabalho intenso e delicado. E o melhor: todas as expectativas são plenamente atendidas.

Kraken (Ricardo Darín, num registro bem mais contido do que o habitual) e Suli (Valeria Bertuccelli) moravam em Buenos Aires, mas após o nascimento do primeiro filho do casal eles decidem se mudar para a praia de Piriápolis, região de Maldonado, no Uruguai. Para lá eles vão com a intenção de se esconderem do mundo. A causa é o receio em relação às reações dos outros ao problema do recém nascido, uma criança hermafrodita. Alex nasceu com os dois órgãos sexuais, e como a decisão dos pais foi de não submeter o bebê a uma cirurgia reparadora logo após o nascimento, ela se desenvolve sem um gênero definido. Possui uma aparência mais feminina, até por causa dos remédios que toma, que inibem o desenvolvimento da testosterona, mas ao mesmo tempo possui um pênis. O filme começa 15 anos depois, quando a mãe convida um casal de amigos para visitá-los. Mas estes possuem um objetivo muito claro: ele é um renomado cirurgião-plástico, e deseja oferecer seu talento em auxílio à menina/menino. Mas quem disse que ela/ele precisa de ajuda?

Alex está no meio da adolescência, e possui toda a confusão já natural dessa idade, acrescida de um fato bem peculiar que a torna bastante especial. Sua melhor amiga de infância a conhece, entende e aceita exatamente como é. Mas será que seus pais pensam o mesmo? Só o fato de lhe oferecem remédios que orientem o corpo da criança ao formato feminino já não é uma imposição? E como decidir se ela será mulher, ou se ele será homem, se nem mesmo o/a jovem sabe quem deseja ser? O casal de amigos possui um filho na mesma faixa etária, e essa garoto, Álvaro (Martin Piroyansky), logo se sentirá atraído pela/o amiga/o. Mas o desejo vem pela menina ou pelo menino? A indefinição está em todos os lados, e nunca é fácil tomar este tipo de decisão. Ainda mais, como Alex mesmo diz em determinado momento, “e se não houver escolha a ser feita?”

Tudo é muito calmo em XXY, com seu desenvolvimento lento e nada apressado. O espectador vai construindo a trama junto com os personagens, e esse é um dos maiores méritos da obra. Contra si está, no entanto, o próprio título, que é mais alegórico do que factual. Afinal, a condição biológica dos cromossomas XXY está relacionada à Síndrome de Klinefelter, que só atinge o sexo masculino, e não é ligada a distúrbios de função ou identidade sexual, o que é muito diferente de ambiguidade genital, o caso da protagonista. Mas aprendemos ainda na escola que XX são as meninas, e XY são os meninos. Portanto, há um forte impacto psicológico na expressão XXY que talvez provoque o sentimento almejado pela realizadora. Sensível e bastante reflexivo, este é um filme que estimula a discussão e trata a todos, em ambos os lados da tela, com muito respeito e carinho. Uma obra a ser descoberta.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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