Crítica

Viver-e-Morrer-em-Los-Angeles-papo-de-cinema

William Friedkin havia dirigido uma das perseguições de carro mais comentadas da história do cinema em Operação França (1971), filme pelo qual levou seu Oscar de Melhor Diretor. Quinze anos depois, o cineasta norte-americano resolveu repetir o desafio: criar uma espetacular cena envolvendo carros em alta velocidade. O resultado foi o eletrizante terceiro ato de Viver e Morrer em Los Angeles, um thriller policial enérgico e, por vezes, surpreendente, que coloca um agente especial da força policial da “cidade dos anjos” em rota de colisão com um falsificador de notas de dólar e artista nas horas vagas. Para cada clichê que Friedkin utiliza (e não são poucos), uma regra do gênero é subvertida, o que deixa a matemática desse filme bastante favorável para seu realizador e, desta forma, para seu público também.

Baseado no livro de Gerald Petievich e com roteiro assinado por ele e pelo diretor, Viver e Morrer em Los Angeles conta a história do agente Richard Chance (William Petersen), um sujeito que acabou de perder seu parceiro e melhor amigo poucos dias antes da aposentadoria do falecido. Sedento por vingança, Chance jogará todas as regras para o alto na tentativa de prender o contraventor Eric Masters (Willem Dafoe), que está inundando as ruas de Los Angeles com seu dinheiro falso. Para tanto, ele contará com a ajuda de sua informante, a sensual Ruth (Darlanne Fluegel), e do seu novo parceiro, o correto John Vucovich (John Pankow).

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Como dito anteriormente, a história não parece nada inédita, soando como um thriller genérico. Mas estamos falando de William Friedkin, um diretor que até em produções menos badaladas tem seu olho de autor bastante apurado. Estamos em 1986, e o cinema noir voltou com tudo com produções como Corpos Ardentes (1981), Blade Runner (1982), Dublê de Corpo (1984), e tantos outros títulos que receberam a correta alcunha de neo-noir. Friedkin se apossou do revival e fez um trabalho muito seu, deixando seus atores à vontade para viverem aqueles personagens tão extremos, tão verossímeis, tão falhos. Para tanto, o diretor evitou ensaios e deixava a câmera rodando até onde podia, para capturar a essência das performances.

Não à toa, William Petersen e John Pankow nunca estiveram tão em evidência quanto nestes papéis. O primeiro, inclusive, estrelaria um segundo longa no mesmo estilo logo depois, Manhunter (1986), dirigido por Michael Mann, a estreia do personagem Hannibal Lecter nos cinemas (vivido ali por Brian Cox). Como nenhum dos dois filmes foi muito bem de bilheteria, Petersen acabou vendo suas participações na tela grande rarearem, até encontrar seu caminho na televisão, como protagonista da série C.S.I. (2000-15). Em Viver e Morrer em Los Angeles, o ator se entrega a uma persona destemida, quase suicida, que se acha acima da lei. Por estar vingando um parceiro e amigo, Chance não se distancia muito da falta de ética de seu inimigo, construindo um anti-herói alucinado, em uma jornada autodestrutiva perigosíssima. Ao seu lado, Pankow interpreta o fiel, porém amedrontado Vucovich. Para provar a seu novo parceiro que é alguém de fibra, ele passa por cima de várias certezas que possui, se arrependendo logo depois do resultado. Por fim, Willem Dafoe, recém-saído do sucesso Ruas de Fogo (1984), entrega uma performance ousada como o impulsivo antagonista. Como artista, ele costuma tocar fogo em suas obras. Como contraventor, utiliza seu olho para o detalhe na manufatura de notas falsas de dólar. Praxe em filmes desse estilo, o vilão é muito mais sedutor e centrado do que o herói, com Dafoe capturando a atenção do espectador desde sua primeira aparição.

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Com trilha sonora bastante datada, com canções da banda inglesa Wang Chang, Viver e Morrer em Los Angeles é um thriller competente que consegue utilizar os clichês do gênero a seu favor (embora pudesse deixar alguns de lado) e verdadeiramente surpreender o espectador com algumas saídas pouco usuais. Sangrento e visualmente interessante ao filmar as ruas de Los Angeles de forma crua e visceral, o longa-metragem conquista o espectador aos poucos, enquanto vai desenrolando a trama sem pressa alguma. O ótimo elenco, com participações pontuais de John Turturro e Dean Stockwell, e as cenas de ação fazem do longa um bom programa para fãs do cinema de gênero, que desfrutarão do trabalho de um mestre, ainda que um tanto esquecido à época. Pouco visto, não chegou a conseguir um sexto do seu orçamento de US$ 6 milhões nas bilheterias, o que é uma lástima mediante os talentos envolvidos. Merece ser redescoberto.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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