Crítica

Embates familiares são comuns na filmografia mundial. A história de um pai que renega a sexualidade do filho, então, mais ainda. Viva, uma coprodução entre Irlanda e Cuba, tem o mérito de pontuar o roteiro não apenas com a narrativa do jovem que quer ser drag queen em oposição ao pai machão, como também ambientar este conto numa região onde a virilidade latente é ainda mais poderosa do que a voz da diversidade.

04-viva-papo-de-cinema

É numa Cuba colorida, mas não menos dura, que conhecemos a história de Jesus (Hector Medina), um cabeleireiro que trabalha nas perucas de drag queens de um clube. Só que o próprio também tem vontade de se vestir e agir como mulher na noite. Justamente em um de seus primeiros shows, quem ressurge de forma literalmente agressiva para cima do rapaz é seu pai, um ex-pugilista recém liberto da prisão. E a verdadeira batalha dos sonhos do jovem encontra seu principal obstáculo na tentativa de resgate na relação paternal.

Angel (Jorge Perugorria), o pai parrudo e machista, tenta de todas as formas "orientar" o filho no caminho da "macheza". É óbvio que o conflito vai se instaurar, talvez com ainda mais força pelo fato dos dois não se verem há anos. E não é apenas a história desta relação mal desenvolvida que vai aflorar. Pai e filho parecem ser diferentes na forma física, seja na delicadeza das palavras e do corpo de Jesus, como também na força corporal e rudeza de Angel. No interior, entretanto, ambos são frustrados pelas armadilhas que encontraram durante a vida, tendo esperanças destruídas no caso do mais velho e sonhos quase irrealizáveis pelo medo do mais novo.

Com este relato, parece que o filme força uma divisão em sua trama entre o pai malvado e o filho vitimizado. Não é o caso. A dupla principal de atores pega seus personagens e os transforma em criaturas carismáticas, muito devido à naturalidade com que ambos atuam, como se Jesus e Angel fossem pais e filhos do lado de cá da tela. Pois são mesmo. Ainda que o tom melodramático tente permear a obra, o que se vê é um retrato de homens comuns que buscam algum tipo de redenção. Neste caso, através do amor familiar.

03-viva-papo-de-cinema

Pode até parecer estranho que a produção, apesar de todo o toque cubano, seja roteirizada e dirigida por irlandeses. No caso, respectivamente Paddy Breathnach e Mark O'Halloran. Ainda que este efeito possa parecer muito latino à primeira vista, logo se percebe a influência cultural dos europeus na história e, especialmente, o tom universal que dá dinâmica e torna o filme palatável e interessante para qualquer um, independente de cor, raça ou sexualidade. Viva tem um charme único que o torna acima da média e faz entender porque a Irlanda escolheu justamente este título para lhe representar na disputa por uma indicação ao Oscar como Melhor Filme Estrangeiro no ano passado. É, acima de tudo, um título sobre respeito à escolha do outro. Algo fácil de falar, difícil de entender, mas, especialmente, satisfatório quando se chega ao seu resultado.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
avatar

Últimos artigos deMatheus Bonez (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *