Crítica

Violeta Parra foi um dos maiores nomes da música chilena. Andrés Wood é um dos maiores cineastas do mercado cinematográfico atual chileno. E natural, portanto, o encontro dos dois. E depois de filmes premiados internacionalmente, como Machuca (2004) e A Boa Vida (2008), Wood volta às telas com Violeta foi para o céu, uma produção que combina o melhor e o pior do cineasta. Isso é dito ao levarmos em conta o imenso cuidado com os detalhes, a edição caprichada e bastante estudada, a impressionante direção de atores – com destaque para a protagonista – e a forma como o projeto como um todo se posiciona enquanto obra artística: é bonito, é relevante e é profundo. Mas é também por demais latino-americano, abusando em alguns momentos do sentimentalismo e exagerando no drama. E como a linha entre o realista e o piegas é bastante tênue, essa mesma impressão confusa acaba sendo perpassada para a obra.

Apesar de ter nascido de uma família muito pobre, Violeta desde pequena se deu conta de que possuía um dom especial: o talento para a música. Além de cantar, aprendia com facilidade como manejar instrumentos musicais. Por isso decidiu que não poderia ficar parada por muito tempo e que precisaria aprender, romper barreiras e preconceitos e lutar pelo que sonhava. E assim foi por toda sua vida. A obstinação por ser uma artista melhor e mais completa lhe tomou tudo – os maridos, os filhos, os amigos, as companhias. Nascida em 1917, é hoje considerada uma das fundadoras da música popular chilena, mas naquela época esse reconhecimento não veio com tanta facilidade. Cantou em feiras livres, em galpões de igrejas, em festas folclóricas, em qualquer lugar onde se dispusessem a ouvi-la – até mesmo em Varsóvia, para onde foi convidada pelo Partido Socialista, ou em Paris, por onde viveu por alguns anos. E assim seguiu sua peregrinação, deixando registros de dores e de amores diversos espalhados por todos os caminhos que passou, até se suicidar, aos 50 anos.

Violeta foi para o céu é muito abrangente em acompanhar a trajetória dessa mulher um tanto desequilibrada, porém acima de tudo obstinada por essa afinidade maior, que emanava de dentro dela e a dominava por completo. O filme não se constrói diante uma narrativa convencional, muito pelo contrário, pois alterna momentos de glória com outros de imensa comiseração da artista, mostrando que para cada conquista havia também, em sua vida, sofrimentos e perdas. Em alguns instantes somos levados a pensar se tamanho desequilíbrio não seria resultado das próprias falhas da personagem, como se fosse culpa dela. Mas por fim tem-se a homenagem e a conscientização de que qualquer destino diferente seria impossível, pois aquilo era ela, tal como veio ao mundo e como suportava ser apresentada. Música em estado bruto, paixão acima de tudo e muita entrega, sem pesar as consequências.

Premiado no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, como Melhor Filme na mostra Cinema Mundial, Violeta foi para o céu concorreu também ao Goya (o Oscar espanhol) e ao Ariel (o Oscar mexicano) na categoria de Melhor Filme Estrangeiro falado em espanhol. Mérito da condução de Woods, que entrega um filme emocionante e apaixonado. Mas é importante também destacar a atuação vigorosa e quase sobrenatural de Francisca Gavilán, veterana da televisão chilena aqui num dos seus primeiros trabalhos no cinema. Ao dar vida para Violeta Parra, Gavilán se entrega por completo, quase como se tivesse sido possuída pelo espírito da cantora. Uma atuação exemplar e que por si só justifica todo o projeto. Um pilar forte que sustenta um filme relevante e digno de atenção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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