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Sinopse

O cientista Victor Frankenstein e o seu não menos brilhante pupilo Igor Strausman desejam mudar o mundo com os frutos de uma pesquisa inovadora. Mas, a obsessão pela imortalidade cobrará o seu altíssimo preço.

Crítica

Mais uma releitura do clássico conto de horror de Mary Shelley, Victor Frankenstein se propõe a oferecer como principal inovação mudar o ponto de vista da narrativa – ou seja, ao contrário do que o título dá a sugerir, o protagonista não é o estudante de medicina determinado a dar vida aos mortos, mas, sim, seu ajudante, Igor. No entanto, alguns problemas surgem pelo caminho. O primeiro e mais evidente é que no romance original esse assistente corcunda simplesmente não existe – por mais que já tenha rendido alusões fantásticas, como a composição de Marty Feldman em O Jovem Frankenstein (1974). Mas, apesar do humor involuntário desta versão atual, não é essa fantástica comédia dirigida por Mel Brooks sua maior inspiração. Aqueles atentos deverão encontrar ecos mais fortes no cult gay The Rocky Horror Picture Show (1975) – sem a coragem, infelizmente, de se posicionar como tal.

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A referência camp salta aos olhos. Afinal, o enredo básico trata de um cientista que decide juntar os melhores pedaços de outros corpos para criar o homem perfeito só para si. E quando a experiência dá certo e o ser resultante se revolta com sua condição de objeto de adoração – ou seja, se recusa a apenas endeusar seu criador – Frankenstein o renega, abandonando-o à fúria dos preconceituosos que evocam dogmas religiosos em condenação ao estranho a à relação dos dois (no filme, quem se incumbe disso é o inspetor Turpim). Pois bem, nada de descendentes atrapalhados ou alienígenas transexuais (como nos casos citados acima): dessa vez atem-se ao período histórico proposto pela autora, com a inserção do olhar de um ser aparentemente deformado e como ele irá lidar com as ideias do melhor amigo.

Victor Frankenstein, o personagem-título, é interpretado por James McAvoy, um ator versátil, porém com tendência ao exagero. Basta vê-lo em filmes como O Procurado (2008) ou Em Transe (2013), em que a falta de uma direção mais segura o deixa sem lastro para se guiar. O mesmo acontece novamente aqui. Felizmente, ao seu lado está Daniel Radcliffe, cada vez mais empenhado em deixar o tímido e determinado Harry Potter para trás. Dessa vez ele retorna ao universo lúgubre de A Mulher de Preto (2012), mas limitado pela situação intermediária entre um protagonista que não convence e um coadjuvante que não responde pelas principais ações da história. Ao menos ele é carismático, e acaba funcionando melhor como auxiliar deformado preocupado com seu mestre do que como herói romântico, papel que definitivamente não lhe cai bem. E se o enredo esbarra em clichês previsíveis e explosões desnecessárias, tudo ganha uma nova leitura a partir do momento em que se descobre o óbvio: estamos diante de uma revisão homoerótica de Frankenstein (1931)!

Senão, vejamos. Quando Victor cruza com o jovem corcunda pela primeira vez, seu interesse será tão intenso que fará de tudo para levá-lo para casa consigo. Ao chegarem, o mais velho irá literalmente se jogar em cima do outro, arrancando suas roupas. No dia seguinte, quando o jovem acorda – há apenas uma cama no local, é importante perceber – há um recado (“passarei o dia fora, esteja em casa para o jantar”). E o que o novato faz, então? Toma banho, corta o cabelo e a barba, coloca roupas novas... ou seja, fica bonito para agradar aquele que tão bem o está recebendo. Ao irem numa festa, Igor encontra uma antiga paixão, a bela Lorelei (Jessica Brown Findlay, de Um Conto do Destino, 2014), mas no momento em que Victor percebe o interesse do amigo, trata logo de se intrometer, não deixando mais os dois sozinhos. E quando se afastam, no final da noite – os rapazes para um lado, a moça para o outro – o ciumento afirma categoricamente: “você deve se afastar dela, não quero que você a veja novamente”.

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Se isso não é suficiente, há mais em cena que corrobora essa interpretação. Ao apresentar uma versão inicial de seu experimento na faculdade, Victor é observado por um outro estudante, rico e notoriamente afeminado, Finnegan (Freddie Fox, de Orgulho e Esperança, 2014), que fará de tudo para separar os dois – e, quando consegue, isolará o inventor em um castelo afastado e cercado de guardas por todos os lados, além de tentar matar o pobre concorrente. Igor acaba se refugiando com a pobre Lorelei – personagem mais sem sentido de toda a trama – e ao aparecer nu, na cama com ela, em quem ele pensa? Em Victor, é claro! E assim partirá, deixando a pretensa namorada, para reencontrar seu único e verdadeiro amor. Com tantos elementos que apontam para essa direção, mais vergonhoso é não se assumir como tal. Victor Frankenstein poderia conversar diretamente com o público LGBTQ, ao menos. Do jeito que está, envergonhado do próprio potencial e sem condições suficientes para percorrer qualquer outra linha narrativa, resta-lhe apenas a mediocridade e o esquecimento imediato. E que assim seja.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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