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Sinopse

Um terapeuta de Manhattan, o Dr. Robert Elliott, enfrenta o momento mais aterrorizante de sua vida, quando um assasino psicopata começa a atacar as mulheres de sua vida - usando uma navalha roubada de seu escritório. Desesperado para encontrar o assassino antes que outra pessoa seja ferida, Elliott logo se vê envolvido em um mundo de escusos e perturbadores desejos.

Crítica

Kate (Angie Dickinson) fantasia durante o banho ser possuída por outro homem enquanto o marido segue impassível fazendo a barba. Frustrada sexualmente, ela procura alívio à agonia cotidiana nas sessões com seu psiquiatra, o Dr. Robert Elliott (Michael Cane). Claramente tributária a Um Corpo que Cai (1958), a sequência do jogo de sedução com um estranho no museu é construída elegantemente. A câmera de Brian De Palma desliza nos corredores sinuosos que formam um labirinto. Ficamos completamente presos naquele ambiente de mistério e excitação. Os cortes precisos saturam as sensações surgidas posteriormente no banco traseiro do taxi onde ocorre a transa. O fetichismo em Vestida para Matar é de diversas ordens, a começar pela exploração dos corpos e do sexo. O cinema, enquanto dispositivo e linguagem, é outra das obsessões evidenciadas ao longo do filme.

Surpreendida por uma revelação que estraga o prazer fortuito, a mulher entra no elevador para nunca mais sair viva. Assassinada por uma loira, claramente homem vestido de mulher, ela sai de cena prematuramente, assim como a personagem de Janet Leigh em Psicose (1961), outra das obras de Alfred Hitchcock homenageadas, melhor dizendo, canibalizadas por De Palma. Logo sabemos, o homicida é um transexual que também se consulta com o Dr. Elliott, de quem guarda rancor por ele não recomendar sua tão esperada cirurgia de mudança de sexo. A prostituta Liz Blake (Nancy Allen) passa à condição de protagonista, pois testemunha o crime, virando peça fundamental da investigação policial e, por conseguinte, vítima de perseguição. Convém não apoiar-se demais nas aparências, pois em Vestida para Matar De Palma joga constantemente com falsos reflexos.

A verdade acerca dos personagens é relevada aos poucos. Contudo, mesmo que a surpresa seja um elemento forte em Vestida para Matar, ela não é imprescindível à fruição da narrativa, pois a fundação da mesma não é necessariamente o que diz, mas a maneira como diz. A caçada à Liz se intensifica, as coisas ficam ainda mais tensas na medida em que a morte se aproxima e a lei se vê quase de mãos atadas por falta de provas. A lascívia é novamente capital num dos estratagemas de Blake para descobrir quem realmente está por trás das mortes. Ela é acompanhada à distância, com zelo e cuidado, pelo filho da primeira vítima que a espreita através da janela, valendo-se para isso de um binóculo – de novo Hitchcock, agora Janela Indiscreta (1954). O emaranhado de voltas e reviravoltas não seria tão eficiente sem o cuidado formal de Brian De Palma, sem a ciência do artista das potencialidades de seu meio de expressão e sem o pleno domínio das ferramentas criativas.

Sangrento, sensual e intrigante, Vestida para Matar é um suspense hipnótico que se detém demoradamente em alguns acontecimentos aparentemente banais, mas, na realidade, importantes ao quebra-cabeça que se pretende montar. A dimensão psicológica da história fica por conta, sobretudo, da personalidade do assassino, mais especificamente do gatilho que dispara o impulso de matar. O desejo, mediador da maioria das relações, tanto as calcadas no amor quanto as na agressividade, é o fluido que faz a trama entrar em combustão. A força incomum da imagem subjetiva, uma das marcas registradas do diretor, nos leva para dentro da ação, negando-nos por diversos instantes a posição confortável de observadores (voyeurs), em benefício de imersões mais profundas, que nos aproximam das sensações físicas de excitação e perigo, pilares que sustentam este grande filme.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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