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Sinopse

Marta e Manu são duas jovens atrizes em crise com a profissão. A fim de se reinventarem, decidem encarar o inverno russo para se aprofundar na famosa técnica Stanislavski de interpretação. Entre nevascas, brigas, paixões e muitos litros de vodka, suas personagens acabam por extrapolar os limites da cena e da amizade, fazendo com que sejam constantemente testadas pelo rigor do teatro e uma Rússia majestosa e difícil.

Crítica

Às vezes, dar um passo para trás não significa recuar, e, sim, um gesto necessário para obter o impulso para ser possível ir em frente. E esse processo tanto pode ocorrer de forma literal quanto em qualquer outro aspecto da vida – quem nunca se deu conta do quão positivo pode ser um afastamento, ainda que momentâneo, para se melhor avaliar uma situação na qual se esteve por demais envolvido? É mais ou menos o que aconteceu com as duas protagonistas de Vermelho Russo, um docudrama baseado em um episódio real ocorrido com as atrizes Maria Manoella e Martha Nowill há alguns anos. Não por acaso, esses também são os nomes das personagens: Maria e Martha. E um pouco dessa ‘confusão’ entre realidade e ficção faz parte do charme do longa dirigido por Charly Braun, uma obra que brinca com expectativas pré-concebidas justamente no interesse de surpreender o espectador pelo mais universal dos sentimentos: a identificação.

Manoella e Nowill são amigas há um bom tempo. Tanto que, quando surgiu a possibilidade de uma ir até Moscou estudar Atuação com um mestre do Teatro Russo, a outra foi logo convidada para ir junto. Martha, no entanto, transcreveu grande parte dessa experiência em um diário, que depois foi publicado em uma revista de circulação nacional. Nascia aí Vermelho Russo, pois foi a partir deste artigo que Charly Braun se interessou em transformar esse episódio verídico em uma narrativa ficcional. Mas até que ponto é, de fato, fantasia? Essa parece ser a questão que motiva tanto o realizador quanto suas duas protagonistas. Ambas estão de peito aberto em cena, revelando excitações e surpresas, alegrias e decepções. Tudo teria acontecido tal qual o roteiro indica? Ou, assim como elas próprias fizeram e partindo de um ponto mais distante: até que ponto tal percepção da veracidade dos fatos realmente importa?

A realidade russa é bastante distante daquela vivida pelos brasileiros. Martha e Maria descobrem isso com impressionante agilidade. Se num primeiro momento tudo parece novidade e excitação, os primeiros ruídos podem surgir numa corrida de táxi ou mesmo numa caminhada pela Praça Vermelha, no centro de Moscou. A curiosidade inicial, típica de um turista em férias, logo é substituída pelos desafios dos moradores locais. Afinal, não é qualquer um que enfrenta numa boa temperaturas negativas e nevascas apenas para sair de casa – ou do albergue onde estão instaladas – para irem trabalhar – ou estudar, como é o caso delas. As aulas representam outra complicação, muito pelo fato de serem todas em russo – nem o inglês é falado ou entendido, e ainda que haja uma intérprete sempre à disposição, qualquer maior interação com colegas ou mesmo com o mestre parece se dar de forma truncada. Mas não estaria o maior obstáculo dentro de cada uma delas?

Martha parece ser a mais extrovertida, alegre, sorridente. É a que consegue convites para uma recepção na Embaixada de Portugal e que recebe com maior simpatia os gracejos (seriam dele ou dela?) de um diretor brasileiro que, coincidentemente, também está por lá na mesma ocasião (Michel Melamed). Mas é ela, também, que primeiro se vê abatida pelo clima frio, pelo distanciamento das pessoas e pela sua própria situação enquanto artista. “Por quê sempre interpreto as meninas feias? Por quê não posso ser a mais bonita?”, se questiona. Enquanto este é um drama só dela, tudo bem. O problema é quando passa a afetar sua relação com Manoela. Afinal, essa também tem seus problemas. Está longe do namorado (Fernando Alves Pinto), que a cada contato dela pelo skype responde sem muito entusiasmo, e também sofre com a distância, tentando equilibrar emocionalmente o que está ganhando durante este período de aprendizado com o que está potencialmente abrindo mão em termos profissionais com as chances de trabalho que está perdendo por estar longe de casa. É uma matemática nada simples, da qual ambas mostram grande profundidade em suas abordagens.

Mas Vermelho Russo é mais do que duas garotas perdidas em uma terra estranha. É, principalmente, uma história que poderia ser minha, sua, ou de qualquer um de nós ao passarmos pelo momento em que precisamos, mais do achar uns aos outros, descobrir como nos encontrarmos em nós mesmos. Ir ao outro lado do mundo pode ser interessante como uma meta a ser desvendada, um objetivo no qual se deposita sonhos e expectativas, mas a realidade vivida no dia a dia é, inevitavelmente, mais dura e cruel. Martha e Maria descobriram isso às duras penas, e Charly Braun foi hábil o suficiente em criar o espaço para que as atrizes revelassem suas artes, sem interferências nem distrações. Um conjunto que pode soar estranho ou até mesmo exótico para alguns, mas que em suas entranhas, que vão sendo expostas durante o seu desenrolar, revela uma inequívoca vocação para o calor e a proximidade daqueles que, juntos, representam mais do que seus elementos separados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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