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Sinopse

Jane, 21 anos, e Sadie, 85 anos, desenvolvem uma curiosa amizade quando a jovem descobre uma inesperada quantia de dinheiro num dos itens que a idosa colocara à venda no seu bota-fora.

Crítica

Jane acorda. Está num quarto branco, desprovido de quadros, móveis, cores. O único sinal de vida ali, além dela própria, é a presença de Starlet, seu chihuahua que a acompanha por todos os lugares. Decidida a imprimir sua visão pessoal naquele local que só é seu de passagem, decide ir em busca de objetos que possam ajudar nessa decoração improvisada. Será esse passeio, aparentemente casual, que determinará o início da história de Uma Estranha Amizade, filme escrito e dirigido por Sean Baker, cineasta independente norte-americano que tem aqui seu trabalho de maior destaque até o momento. E esse interesse, se num primeiro momento se explica pelo sobrenome da protagonista, acaba sendo justificado por elementos muito mais simples e universais.

Ao observar os créditos de Uma Estranha Amizade, o que primeiro chama atenção é o nome da atriz principal, Dree Hemingway. E se a dúvida se estabelece em seguida, a confirmação é imediata: sim, estamos falando da bisneta do grande escritor Ernest Hemingway – que há pouco foi interpretado com competência por Clive Owen na cinebiografia Hemingway & Martha (2012) – e filha de Mariel Hemingway, atriz indicada ao Oscar como coadjuvante por Manhattan (1979). A expectativa que se cria em torna da novata – em seu primeiro papel como protagonista – logo é substituída pelo talento do realizador, que soube explorar o que de melhor ela poderia oferecer sem lhe exigir nada além. Outro ponto forte é o fato da trama ser defendida por mais intérpretes, principalmente pela revelação Besedka Johnson. Esta senhora, de mais de 80 anos, é o outro lado desta inusitada relação a que o título nacional do filme se refere.

Quando Jane, uma garota sem muitos recursos que sobrevive através de bicos na indústria pornográfica de Los Angeles, decide adquirir bens para o quarto que está alugando na casa de amigos, sua opção é percorrer as ‘vendas de jardim’, uma atividade bastante comum nos Estados Unidos, em que as pessoas ocupam as frentes de suas próprias casas com coisas que não lhe interessam mais e as revendem por verdadeiras pechinchas. Nesta busca, a garota acaba comprando uma garrafa térmica de Sadie (Johnson) para usar como vaso de flores. Só que logo depois ela descobre ali dentro dez mil dólares, quantia que provavelmente nem a dona original sabia da existência.

É neste ponto que Uma Estranha Amizade começa a desenvolver sua história num tênue limite entre a fantasia e a cruel realidade. Jane não roubou a garrafa – pagou por ela e, obviamente, pelo que ela continha. Portanto, ninguém poderia julgá-la por ficar com o dinheiro – ainda mais sendo quem é, sobrevivendo do jeito que vive. Ao invés disso, decide devolver o valor à proprietária de direito que, sendo uma idosa solitária e fechada à estranhos, nem lhe dá oportunidade de se explicar. Mesmo assim, Jane insiste em se aproximar da senhora, e se não tem como simplesmente lhe entregar o achado, decide usá-lo em seu bem, convivendo com ela e fazendo destes momentos juntas um período de descobertas e realizações para ambas.

Dree Hemingway é uma atriz de recursos limitados, mas o filme aproveita bem o que a garota tem a oferecer. Besedka Johnson, uma mulher que sempre sonhou em ser atriz, tem aqui sua grande oportunidade, estreando na tela grande após oito décadas de vida – e, infelizmente, não teve como conferir sua competente performance, pois faleceu logo após as filmagens. Apesar de alguns personagens clichês – como a amiga drogada e invejosa – e algumas soluções simplistas – o ataque da octogenária à nova amiga é superado sem grandes traumas – a maior qualidade de Uma Estranha Amizade é justamente o relacionamento que se estabelece entre as duas protagonistas. Mérito evidente do diretor que soube reconhecer nelas atributos suficientes para defenderem não somente seu filme, mas também para fazerem dele uma obra de insuspeitas qualidades.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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