Uma Dama de Óculos Escuros Com Uma Arma no Carro
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O cinema francês é quase como um gênero à parte. “Vamos ao cinema?”, alguém pergunta. “Ver o que?”, é a resposta mais óbvia. Porém, diante do retorno “tem um filme francês passando aí...”, o mais comum é a exclamação “ah...”. Como se qualquer produção desta origem fosse garantia de cinema-arte, muita conversa, pouca ação tramas mais psicológicas do que físicas. Um erro tão comum quanto afirmar que as condições técnicas da produção brasileira são precárias, que o melhor dos argentinos são seus roteiros ou que tudo que é feito em Hollywood é pancadaria e explosão. Ou seja, reflexo mais da ignorância de quem faz tais afirmações do que de uma realidade de fato. É por isso que se faz importante prestar a devida atenção a um longa como Uma Dama de Óculos Escuros com uma Arma no Carro, ainda que, no seu anseio para evitar o estereótipo que tão forçosamente o abriga, acabe incorrendo em outro, em que as aparências terminam por falar mais alto que o enredo que encerram.
Dany Dorémus (Freya Mavor, versão europeia de Deborah Ann Woll, estrela de séries como True Blood, 2008-2014, e Demolidor, 2015-2017) é uma garota estonteante nos seus vinte e poucos anos que tem vários sonhos – ser reconhecida por seu trabalho, encontrar o amor, ser feliz – mas, no momento, aquele que mais lhe comove é a vontade de conhecer o mar. Quando seu chefe (Benjamin Biolay, de Personal Shopper, 2016) lhe passa uma tarefa de última hora, tudo parece se encaixar: para melhor atendê-lo, deverá passar a noite na casa dele revisando arquivos do escritório, permanecendo por lá quando ele e a esposa – e ex-colega dela – saírem para viajar no dia seguinte. O melhor dessa situação é que lhe permitirá acesso ao carro dos dois, após largá-los no aeroporto, o que possibilitará uma escapada até a costa e, enfim, viver uma pequena aventura.
Logo na primeira parada, em um posto para abastecer, Dany irá perceber algo estranho: todos com quem acaba cruzando não só parecem já conhecê-la, como afirmam terem estado com ela na noite anterior. Reconhecem o carro, o cabelo e até o ferimento no pulso – machucado que ganha após ser agredida por um atacante misterioso no banheiro feminino. O frentista se desculpa por tê-la assediado, o recepcionista do hotel está com a chave do quarto que usou um dia antes e o policial da auto-estrada lhe pergunta se agora ela está melhor. Do que? Nem imagina. Porém parecem haver outros segredos mais urgentes que necessitam uma explicação, como o galanteador que após uma noite juntos foge com o carro, deixando-a à pé, e o que um defunto fazia durante esse tempo todo no porta-mala?
Joann Sfar se tornou conhecido pela cinebiografia Gainsbourg: O Homem que Amava as Mulheres (2010), pelo qual foi premiado com o César, mas desde então só se envolveu com animações – O Gato do Rabino (2011), que lhe valeu seu segundo César, e O Profeta (2014), além da produção de Aya de Yopougon (2013). Uma Dama de Óculos Escuros com uma Arma no Carro é, portanto, sua volta ao live action, digamos. E ainda que o visual tenha algo que cartunesco – uma protagonista de pernas longas, com óculos escuros marcantes e uma arma que, na verdade, é uma espingarda, tudo isso envolto por cenários grandiosos e limítrofes, como estradas e o próprio oceano, serve o propósito de uma transição não muito radical. Ele está falando, portanto, de uma realidade fantasiosa, com desfechos que soam tão incríveis quanto falsos. Mas seria tudo isso mesmo?
Essa parece ser a grande questão. Sfar arma um intrincado quebra-cabeça, apenas para logo em seguida se ocupar se explicar cada detalhe do processo, deixando muito pouco para o espectador interessado em juntar as peças por conta própria. Refilmagem de A Garota no Automóvel com Óculos e um Rifle (1970), esse Uma Dama de Óculos Escuros com uma Arma no Carro até ameaça possuir os méritos suficientes para se valer por si só, mas pouco consegue ir além de uma estranheza inicial. Com muito estilo e pouco conteúdo, resulta em uma brincadeira sem muita graça que se vale por investir em um diferencial dentro de uma linha narrativa pouco afeita a assumir riscos. É como se Quentin Tarantino optasse por fazer uma paródia de si próprio, porém com sotaque francês – tem seu valor e ainda assim seria um produto acima da média, mas ressentiria de originalidade e frescor. Assim como Dany, que ao invés de determinar seu destino, revela-se tão frágil quanto os demais atrativos dessa história.
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