Crítica

O diretor e roteirista francês François Dupeyron é o responsável por trazer o ator egípcio Omar Sharif de volta à cena com o belo Uma Amizade Sem Fronteiras. Sharif, que apareceu em clássicos como Lawrence da Arabia (1962) e Doutor Jivago (1965), estava há um bom tempo se dedicando a pequenas participações em produções televisivas. Desde o sucesso deste drama, no entanto, marcou presença na aventura hollywoodiana Mar de Fogo (2004), além de ter voltado a ser presença de destaque em produções na Itália (Fuoco su di me, 2006), França (Um Castelo na Itália, 2013), na sua terra natal, o Egito (Hassan wa Morcus, 2008) e até mesmo na aventura americana Conquista de Reis (2006), que o reuniu com Peter O’Toole.

Omar Sharif, apesar do carisma e talento inegável, não é o maior dos méritos de Uma Amizade Sem Fronteiras. O principal destaque está mesmo na história que está sendo contada, pois é daquelas que cresce aos poucos, como se fosse de menor importância, até envolver o espectador de tal modo e com tamanho arrebatamento tornando complicada a tarefa de segurar as lágrimas. O roteiro, construído a partir dos parâmetros mais tradicionais, se esquiva dos clichês óbvios que uma temática como esta poderia sugerir, e ainda consegue guardar surpresas suficientes para renovar a atenção do público com inteligência e perspicácia.

Logo no começo da trama somos apresentados ao pequeno Momo (Pierre Boulanger, num desempenho notável), um garoto que leva uma vida atribulada ao lado do pai, única presença familiar que possui como referência após o abandono do lar por parte da mãe. Mesmo assim, a relação entre os dois é repleta de dúvidas, culpas e lamentações. São raras as ocasiões em que estão em paz, seja um com o outro, seja consigo próprios. Afeto, carinho e dedicação o garoto recebe das prostitutas que trabalham perto de sua casa e do sr. Ibrahim (Sharif), dono da mercearia local – e personagem que dá título ao filme. Será através destes relacionamentos que Momo irá aprender as principais lições de sua vida, exercendo papel fundamental em sua formação cultural e social.

O sr. Ibrahim é mais do que uma companhia; será quem irá cuidar do amigo mirim e fazer dele um homem. As experiências de um começarão a fazer parte do outro, a ponto de, juntos, decidirem sair numa jornada insólita em busca de uma terra natal dos sonhos somente para atender a um pedido final. Esta viagem dos dois irá compor o momento decisivo de uma trajetória que atravessa os limites da vida material, instalando-se para sempre na memória de ambos.

Uma Amizade Sem Fronteiras, apesar do título nacional nos remeter a diversas outras obras similares, apresenta características bastante singulares. Emocionante sem ser melodramático, envolvente sem ser piegas, é, acima de tudo, um bonito conto de como a união de duas pessoas pode transpor os obstáculos mais difíceis, sejam diferenças práticas, como a distância geográfica, até outras menos pragmáticas, como a religião. Festejado internacionalmente, foi indicado ao Globo de Ouro como Melhor Filme Estrangeiro pela França, além de ter sido premiado em festivais importantes, como o de Veneza (Melhor Ator para Sharif pelo voto popular) e de Chicago (Melhor Ator para Boulanger), e em eventos como o César (o Oscar da França), que escolheu Sharif como Melhor Ator. Inspirado no romance homônimo de Eric-Emmanuel Schmitt, esta é uma produção que merece ser descoberta e, acima de tudo, apreciada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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