Crítica

Dany Boon é um nome bastante conhecido e celebrado da comédia francesa. Em Uma Agente Muito Louca ele é diretor e intérprete de um dos coadjuvantes importantes da história da atrapalhada Johanna Pasquali (Alice Pol), servidora que sonha em entrar para a elite da polícia da França. Os exageros e a inclinação ao pastelão aparecem já nas primeiras cenas, as da protagonista interagindo com Edouard (Patrick Mille), o noivo almofadinha, herdeiro de uma grande empresa de pneus. O tom do filme transparece na maneira como é delineada rapidamente a personalidade dessa mulher tão determinada quanto estabanada. Qualquer movimento que ela faça resulta na quebra de algo, ou até na ameaça à integridade física dos próximos. Então, como alguém assim pode portar uma arma e se encarregar da segurança da população? É essa pergunta subentendida que norteia a suposta graça do longa-metragem.

Não é propriamente a previsibilidade que atrapalha a fruição de Uma Agente Muito Louca. A antevisão das etapas que constituem a carreira de Johanna dentro da tropa mais gabaritada da polícia local – sim, pois ela consegue admissão, não sem a ajuda capital do pai, o ministro Jacques (Michel Blanc) – acaba sendo o menor dos problemas. O maior deles, o mais prejudicial, é o modo de apresentar e desenvolver tudo com escracho, a falta de qualquer sofisticação, atributo não dispensável nas comédias, muito pelo contrário. Alice Pol, por exemplo, segue o itinerário proposto pela direção de Boon, exibindo um arsenal de caras e bocas na tentativa de nos fazer rir. Há alguns instantes verdadeiramente constrangedores na trama, como o deslumbre da protagonista diante dos gráficos alterados por sua voz deliberadamente esganiçada, reação nem ao menos interrompida pela presença do superior.

O personagem de Boon, por sua vez, tem uma subtrama própria. Largado pela esposa, que fugiu com seu irmão, ele não consegue confiar mais nas mulheres. Como encarregado do treinamento de Johanna, embuste que atende aos pedidos do pai influente e preocupado com a felicidade da filha, ele gradativamente passa da repulsa à admiração, pois a subalterna desprovida de jeito compensa tudo com uma força de vontade invejável. Uma Agente Muito Louca gasta preciosos minutos reafirmando as trapalhadas de sua figura principal em cenas que pouco oferecem de novo, sequer para criarmos empatia por ela. A soma da impertinente insistência nas mensagens centrais com os recursos jocosos limitados por uma conjuntura farsesca inábil ocasiona a sensação de estagnação e, o que é mais complicado, de falta de graça. Muitas vezes, ao invés de provocar sorrisos, a produção de Boon causa largos bocejos.

Uma Agente Muito Louca trafega por vários caminhos, não se aproveitando de suas eventuais potencialidades. A troca de favores que permite a Johanna finalmente realizar o seu sonho, as particularidades do comportamento fútil dos endinheirados, especialmente em meio a outras esferas de poder, as marcas profundas deixadas pela traição, entre outros tantos, são elementos trazidos à tona, infelizmente somente servindo de escadas ocasionais ao mais valioso para Boon enquanto cineasta, justamente o humor superficial, de fácil absorção.  Calcado em gags pouco inspiradas, o filme tem seu ponto mais fraco, realmente, no âmbito estrutural, no conjunto de procedimentos utilizados para dar-lhe contornos. Alice Pol é evidentemente carismática, mas sua atuação serve tanto aos preceitos da encenação rasteira estabelecida por Boon, o real culpado pelo resultado frágil do todo, que nem ela se salva.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *