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Sinopse

Denílson é um camelô que descobre que sua mãe teve um caso de amor com um ricaço. Este, à beira da morte, deixou uma fortuna para ele, seu único filho biológico. Assim, o rapaz terá que se adaptar à sua nova vida de luxo e regalias.

Crítica

Passadas mais de duas décadas da retomada do cinema nacional com Carlota Joaquina: Princesa do Brasil (1995), a produção cinematográfica brasileira vive um momento de impasse. Os mecanismos de realização foram implementados com sucesso e hoje mantemos uma média invejável de mais de cem longas em cartaz por ano (os Estados Unidos exibem pouco mais do que o dobro disso, por exemplo). O problema, agora, não é chegar às telas, e, sim, atingir o público. O espectador local segue resistente em se ver exposto, e qualquer tentativa mais incisiva neste sentido obtém resultados não mais do que medianos – como Que Horas Ela Volta? (2015), que teve meio milhão de espectadores. Enquanto isso, as comédias besteirol, exemplo típico de escapismo ligeiro, continuam em alta, alienando audiências com seus discursos vazios e anestesiantes. Curiosamente, Um Suburbano Sortudo, mesmo que sem efeito, tenta desviar destes predicados, apresentando um resultado que termina por sucumbir em suas próprias deficiências.

Rodrigo Sant’Anna, comediante que veio dos morros cariocas e se impôs como alternativa viável nos palcos e na televisão, tem aqui sua primeira grande oportunidade no cinema. E isso que ele não é um novato no meio. Após participações menores em títulos como De Pernas pro Ar 2 (2012) e A Noite da Virada (2014), ele volta a se reunir com o diretor Roberto Santucci em uma trama que recicla ideias já vistas tanto na filmografia do cineasta quanto na história pessoal do protagonista. Pois, assim como a trilogia estrelada por Leandro Hassum apresentava um homem pé rapado que ficava rico da noite para o dia e precisava lidar com sua nova condição financeira e social, este mesmo mote é aqui resgatado. Troca-se, no entanto, o modo como se dá esse enriquecimento imediato, fazendo uso da última opção apontada pelo dito popular que diz que o pobre só tem três maneiras para mudar de vida: ganhando na loteria (Até que a Sorte nos Separe, 2012), casando (Até que a Sorte nos Separe 3, 2015) ou herdando (a escolha da vez).

Um Suburbano Sortudo, portanto, se propõe a dar uma reciclada em um argumento há muito já explorado por Santucci – que segue no seu mesmo formato de produção em série no melhor estilo televisivo – aproveitando uma eventual similaridade com a trajetória pessoal do ator principal do elenco. O filme, aliás, é mero veículo para o estrelato do mesmo. Porém, além de revelar o virtuosismo do artista e sua falta de versatilidade – mesmo interpretando diversos personagens, tudo que consegue é reproduzir em formato de pastiche a constrangedora cena do jantar de família já vista em O Professor Aloprado 2 (2000), em um festival de escatologia e sons corporais que deixaria Eddie Murphy orgulhoso. Ou não.

Denilson é um camelô de dvds piratas (espaço onde, coincidentemente, este filme deverá fazer maior sucesso) que descobre ser o único herdeiro de um empresário (Stepan Nercessian, aproveitando para propagandear seu musical sobre a vida do Chacrinha) que ficou rico mais ou menos como Silvio Santos. Porém, todos de sua nova família – com exceção da meia-irmã interpretada por Carol Castro – estão dispostos a fazer de tudo para sabotá-lo em seus planos de resgatar a empresa do pai de uma inevitável falência. Conseguirá o pobretão malandro dar a volta por cima e ainda conquistar o mocinha no final? Quem tem alguma dúvida, por favor, que saia da sala, pois se não conseguiu adivinhar tudo que o previsível roteiro escrito por L. G. Bayão e Paulo Cursino preparou com bastante antecedência, é sinal de que o problema possa estar na audiência, e não na tela.

A despeito de todas as obviedades, o caráter mais pernicioso de Um Suburbano Sortudo talvez seja seu discurso populista e demagogo, retrato perfeito de um país cujo governo apela para medidas populistas para evitar soluções que visem o amanhã, e não apenas o hoje. Toda a sequência final do filme, em que o protagonista faz uma declaração interminável sobre as virtudes de ser ‘pobre, porém honesto’, beira o constrangimento. De resto, tem-se um produto que começa bem – Sant’Anna tem talento, principalmente na arte do improviso, e negar isso seria demonstração de cegueira – mas que deixa a impressão de ter sido simplesmente abandonado antes da metade do seu desenvolvimento, deixando-o sem condução e propício a exageros e absurdos. A vergonha é geral, principalmente por, ao contrário dos seus similares, conter indícios de que, com mais esforço e dedicação, o resultado poderia ter sido, no mínimo, digno de respeito.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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