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Sinopse

Enquanto se prepara para deixar o Tajiquistão, um sujeito recorda momentos-chave de sua adolescência.

Crítica

Depois de anos vivendo no Tajiquistão, o professor de antropologia Paul Dédalus (Mathieu Amalric) prepara-se para finalmente retornar à França. Porém, ao desembarcar em Paris, Paul é detido por um funcionário da alfândega (participação especial do sempre competente André Dussollier) e interrogado sobre a autenticidade de seu passaporte, já que, aparentemente, existe um outro Paul Dédalus, nascido na mesma data e local, vivendo na Austrália. A partir desse questionamento, Paul passa a se lembrar de seu passado, com ênfase particular em um trio de recordações que remetem à sua infância e adolescência, como já anuncia o título de Três Lembranças da Minha Juventude.

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O cineasta Arnaud Desplechin recorre a uma narrativa episódica para apresentar as memórias de seu protagonista, mas o faz de maneira bastante livre, sem um padrão definido. A primeira lembrança, por exemplo, intitulada “Infância”, possui uma duração muito menor do que as posteriores, chegando até a soar apressada, assim como o início do longa, que pode ser considerado um prólogo. O tom empregado nesse começo também se diferencia do resto do filme, apostando na fantasia e na estética de pesadelo para mostrar a relação de Paul com sua mãe, que na memória do personagem, ainda criança, surge como uma figura desequilibrada e ameaçadora. Com esta imagem formada, não surpreende, portanto, a aparente indiferença de Paul quando do suicídio materno, como se criasse um bloqueio em relação ao fato.

A segunda lembrança, “Rússia”, dá conta do mistério do passaporte de Paul, mostrando a viagem que o personagem – interpretado por Quentin Dolmaire – fez aos 16 anos com seu colégio para a antiga União Soviética, onde, ao lado do amigo Marc, assume a missão de entregar dinheiro a um grupo de judeus. Levado por seu idealismo político precoce, Paul acaba doando também seu passaporte a um jovem judeu, para que esse possa conseguir fugir da perseguição sofrida na Rússia. Neste segmento, mais longo e detalhado do que o anterior, Desplechin imprime uma aura mais aventuresca, condizente com o espírito de rebeldia adolescente do protagonista, e encerra de vez a possibilidade de suspense aberta pela investigação do agente alfandegário sobre a verdadeira identidade de Paul.

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Assim chegamos à terceira lembrança de Paul, que ocupa mais da metade da duração da trama e leva o nome do grande amor da vida do personagem: Esther. Ao adentrar essa memória, o longa se assume como um filme de formação, mostrando as transformações sofridas pelo protagonista: seu amadurecimento, sua relação com a família, com os amigos, as mudanças históricas do mundo à sua volta – como a queda do Muro de Berlim – a descoberta da vocação para a antropologia e, obviamente, as primeiras experiências com o amor e o sexo. Mesmo sem ser um artista, ainda que possua uma alma boêmia e grande habilidade com as palavras, Paul encontra em Esther uma musa inspiradora que, como tal, surge como uma figura idealizada. Independente, madura, liberal, divertida, inteligente, bela e incomum, Esther representa todos os desejos de Paul, e de boa parte do imaginário masculino.

Essa representação definitiva ganha vida de maneira extremamente convincente graças à beleza particular e à naturalidade da estreante Lou Roy-Lecollinet. Essa naturalidade, também presente na atuação de Quentin Domaire, se mostra o grande trunfo do trabalho de Desplechin, de modo até surpreendente. Pois, mesmo que se apresente mais profundo e intelectualizado – referências a Proust, James Joyce e tantos outros são abundantes – do que um romance adolescente comum, o relacionamento entre Paul e Esther nunca deixa de parecer crível, com o diretor deixando no ar a dúvida sobre essa profundidade ser real ou uma representação das reflexões do Paul do presente sobre sua conturbada paixão do passado.

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O foco quase exclusivo no casal Paul e Esther, porém, faz com que outros personagens e situações sejam subaproveitados, como o pai apático, a irmã insegura, o irmão dividido entre a religião e um instinto violento e até a relação quase maternal entre Paul e sua professora de antropologia. O realizador se vale do aspecto seletivo da memória para determinar essa escala de importância dos fatos, mas por mais que seja envolvente, o romance do casal se torna repetitivo em determinados momentos, atrapalhando o equilíbrio da narrativa de Três Lembranças da Minha Juventude. Ainda que nítidas, essas imperfeições não tiram o encanto do trabalho do cineasta, que em seu epílogo retorna ao presente para mostrar a dificuldade de Paul em desapegar de suas lembranças. Felizmente Desplechin e Paul não buscam confrontar ou reviver o passado, pois ambos têm a consciência de que a realidade nunca poderá superar a idealização de uma memória.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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