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Sinopse

Rio de Janeiro, Brasil. Três adolescentes vivem e trabalham em um lixão, mas um dia encontram uma carteira que contém instruções para o esconderijo de um tesouro. Assim, o trio inicia uma jornada na qual encontrarão pessoas inesperadas e logo irão perceber que precisam consertar um grande erro.

Crítica

Por mais interessante – e até motivo de orgulho – que seja o fato de que uma das maiores produtoras cinematográficas da Europa tenha procurado parceiros brasileiros para a realização deste projeto, ao término de uma sessão de Trash: A Esperança vem do Lixo o mais provável sentimento que um espectador nacional terá é o de vergonha e revolta. E isso em ambos os aspectos, tanto social quanto artístico. Pois o Brasil que vemos na tela é aquele que explora o pior do nosso país – violência, corrupção, miséria e injustiça – e será essa a imagem que será levada para o exterior através dessa produção internacional. Por outro lado, temos diante de nós um filme que deixa a desejar em vários aspectos, exigindo uma boa vontade além da razoável para que todas as licenças percebidas no roteiro façam um mínimo de sentido.

Lançado nos Estados Unidos com quase um ano de atraso, Trash foi o primeiro longa dirigido por Stephen Daldry a ser solenemente ignorado no Oscar. Isto porque os quatro trabalhos anteriores do cineasta emplacaram com destaque na maior festa do cinema mundial, três deles concorrendo a Melhor Filme (As Horas, 2002, O Leitor, 2008, e Tão Forte e Tão Perto, 2011), enquanto ele próprio foi indicado como Melhor Direção também em três ocasiões (além de As Horas e O Leitor, foi finalista ainda por Billy Elliot, 2000). No entanto, a sensibilidade e a delicadeza percebida nestes trabalhos praticamente desaparece no longa mais recente, uma história que provavelmente seria melhor realizada se tivesse ficado sob o comando de alguém como Paul Greengrass ou até mesmo o nosso Fernando Meirelles (que tem sua O2 como uma das produtoras envolvidas). Afinal, o cenário explorado pela trama lembra em muito o mesmo universo de Cidade de Deus (2002) ou do ritmo incessante do agente Jason Bourne.

Afinal, Trash nada mais é do que uma correria desenfreada de Davi contra Golias. Uma carteira, contendo uma chave que poderá solucionar um caso de mal uso de verba pública, é jogada em um caminhão-lixo e vai parar no maior lixão da cidade. Lá, é encontrada por Raphael (Rickson Tevez) e seu melhor amigo, Gardo (Eduardo Luis), que ao lado de Rato (Gabriel Weinstein), partirão em uma legítima caça ao tesouro, ao mesmo tempo em que a polícia – na pele de um vilanesco Selton Mello – estará no encalço deles. Wagner Moura, que aparece como o primeiro nome do elenco nos créditos iniciais, tem participação importante, porém não muito extensa: ele é o homem que, ao descobrir as negociatas do prefeito, dá um golpe milionário e, ao ser descoberto, morre numa perseguição – mas não sem antes se livrar da tal chave de acesso que será somente a primeira das muitas pistas espalhadas pela cidade.

Alguns poderão apontar um certo tom crítico de denúncia no enredo de Trash, mas tal visão é um pouco exagerada. Elementos como a vida dentro das favelas (recriadas artificialmente), a burocracia nas prisões e a impunidade em relação ao abuso da força policial é por demais romanceada, soando exagerada nuns momentos e amena demais em outros. Outro ponto dissonante são as presenças dos atores hollywoodianos, Martin Sheen e Rooney Mara. O primeiro é um padre missionário que lembra o belga Jérémie Renier no argentino Elefante Branco (2012), porém sem semelhança alguma com a contundência e energia deste. Já a atriz é praticamente descartável, como uma professora de inglês que acaba se envolvendo com as ações dos meninos e termina por pagar um alto preço por isso. Nada inesperado, porém na medida exata para termos o estrangeiro vítima da força bruta nacional.

Portanto, assim como um peixe fora d’água, Daldry e seu roteirista Richard Curtis (ele próprio diretor do simpático Questão de Tempo, 2013) se aventuram por terrenos desconhecidos em Trash: A Esperança vem do Lixo, e tudo o que conseguem é um genérico do oscarizado Quem quer ser um milionário? (2008), porém sem a originalidade nem a pertinência desse. E entre personagens absurdos (o que faz aquela menininha no cemitério?) e situações óbvias (a resolução do enigma nas páginas da Bíblia parecem retiradas diretamente de O Código Da Vinci, 2006), temos mais uma oportunidade desperdiçada de se fazer no Brasil um cinema internacional, que consiga se comunicar com efeito com plateias das mais diferentes nacionalidades. Do jeito que está, no entanto, o máximo que teremos será se posicionar como uma curiosidade mórbida entre nós e um retrato exótico e distante para o resto do mundo. Triste, ainda que verdadeiro, pois esta realidade parece ser quase impossível de sofrer qualquer tipo de mudança mais imediata.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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