Crítica

Existem filmes que valem mais pela importância de suas partes individuais do que pela soma como um todo. Um bom caso disso é Trama Internacional, o novo thriller do diretor alemão Tom Tykwer. Se fizermos uma análise mais completa e aprofundada, passada a excitação inicial, perceberemos que não se trata de nada muito extraordinário, e sim de um produto bem feito e de impacto previsto, uma narração envolvente e objetiva, com boas atuações e soluções perspicazes. Porém, separadamente, cada momento nos remete a uma jornada bastante singular, desde o início eletrizante até o final correto, passando por uma das sequências de tiroteios mais angustiantes e bem feitas do cinema moderno. A empolgação, no final da sessão, é inevitavelmente muito grande. Mas basta um certo distanciamento para que tudo se acomode em lugares mais modestos.

Selecionado para a sessão de abertura do último Festival de Berlim, Trama Internacional foi inspirado no caso real ocorrido no final dos anos 80 com o BCCI – Bank of Credit & Commerce International, um dos maiores escândalos financeiros numa instituição privada do final do século passado. A trama mostra um agente da Interpol (Clive Owen, indicado ao Oscar por “Closer – Perto Demais” e que esteve recentemente ao lado de Julia Roberts em“Duplicidade”) e uma promotora de justiça norte-americana (Naomi Watts, indicada ao Oscar por 21 Gramas e vista há pouco em Violência Gratuita) – envolvidos numa investigação sobre as atividades ilegais de um dos mais poderosos bancos do mundo, que estariam envolvidos desde na venda de armamento militar para países ditos inimigos até no assassinato político de lideranças contrárias às suas posições. Porém, à medida que as descobertas vão ficando cada vez mais reveladoras, eles é que passam de acusadores a prováveis futuras vítimas.

Tykwer despontou para a fama com o revolucionário Corra Lola Corra, em 1998, mas desde então não vem cumprindo as expectativas que despertou na época. Sua obra de maior impacto no período foi a adaptação do romance Perfume – A História de um Assassino, mas mais pela fama literária do que pela obra cinematográfica em si. Trama Internacional não irá provocar grandes mudanças neste cenário, mas colabora na formação de uma identidade mais madura e concisa dele enquanto cineasta. Este é um filme que teve problemas em sua produção – as filmagens atrasaram, as primeiras exibições-teste foram terríveis, novas externas tiveram que ser agendadas, a data de lançamento foi alterada algumas vezes – e estas dificuldades não foram totalmente sublimadas na montagem final. É possível identificar algo aqui ou acolá que poderia ser melhor acabado, mais trabalhado. Mas nada que prejudique a experiência do espectador. É uma história que capta a atenção e mantém uma sensação de nervosismo constante – o que, neste caso, é muito bem vinda. Recomendado especialmente aos fãs do gênero.

Com passagem discreta pelas bilheterias – o faturamento nos Estados Unidos mal passou dos US$ 25 milhões – e recepção morna diante da crítica, Trama Internacional tem tudo para ser descoberto no futuro, quando chegar no DVD ou começar a ser exibido na televisão. É daquelas produções que garantem um excelente fim de noite, uma sessão da tarde acima da média e indicado para quem procura um programa competente, sem grandes tropeços. E, voltando ao início, há a comentada cena no Museu Guggenheim, um tiroteio absurdo que não deixa pedra sobre pedra, elevando a níveis máximos de tensão e adrenalina todos os envolvidos – em ambos os lados da tela. E, só por isso, já merece ser visto. Uma boa surpresa, principalmente para quem não exigir demais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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