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Sinopse

O viúvo e religioso Herculano entra num dilema quando seu irmão marca seu encontro com uma prostituta. Apesar de ser fiel à memória da esposa, ele acaba se apaixonando por Geni, o que causa um alvoroço familiar.

Crítica

Uma das muitas adaptações de Nelson Rodrigues para o cinema, Toda Nudez Será Castigada fala sobre um homem enclausurado em seu luto até conhecer Geni, prostituta que o leva a rever a viuvez e a promessa feita ao filho de nunca mais possuir mulher alguma. Bem ao estilo rodrigueano, o texto entrelaça uma série de personagens, utilizando como argamassa o desejo, a traição, o ciúme, o corno e outros elementos que povoam os escritos do chamado “Anjo Pornográfico”. No cinema, essa construção é filtrada pelo olhar de outro artista, o não menos carioca Arnaldo Jabor, conhecido apenas como comentarista televisivo por muitos, cuja carreira no cinema merece reconhecimento, sobretudo se levarmos em conta seu trânsito pelas particularidades da classe média.

Então, temos aí um filme em que convergem olhares, visões de mundo completamente distintas, como não demoraremos a perceber ao longo da sessão. Rodrigues é cáustico enquanto Jabor prefere ser irônico. A família do viúvo interpretado por Paulo Porto é um prato cheio às observações do cineasta sobre elementos e composições daquele estrato social, no meio termo entre a pobreza e a burguesia. A encenação prima pelo deboche ao invés da seara duramente mordaz proposta pelo universo do autor. Alguns matizes se perdem na transposição, sendo o filme prejudicado pelo humor em que se apoia na busca da leveza negada deliberadamente pelo escritor carioca.

Como Gina, a desbragada Darlene Glória capta para si as maiores atenções. Aliás, ao redor de sua personagem paira todo dilema moral do filme, é por ela que o cliente se apaixona, indiretamente através dela se dá a prisão e posterior incidente boliviano com o herdeiro de seu amado e, finalmente, é por meio de seu corpo que a complexa relação pai/filho chegará às vias da sordidez. Jabor guarda a essa intérprete os melhores momentos e seu mérito reside essencialmente em não castrá-la, deixando o furacão – de sensualidade e intensidade dramática, chegar com força em quem vê. Sua figura, bem como o filme num todo, suscitaram polêmicas quando de seu lançamento. Pena Toda Nudez Será Castigada, decorridos 40 anos, bater um tanto datado na tela, já sem a mesma força.

Toda Nudez Será Castigada surge como documento da época em que o cinema brasileiro debatia-se contra uma série de problemas inviabilizadores da produção cinematográfica contínua. O misto de sexualidade aflorada e culpabilidade rende uma série de embates interessantes, porém mais instigantes caso fossem construídos (sobretudo do meio em diante) compassadamente ou com um pouco mais de foco. A tão conhecida veia crítica de Jabor se esvai em meio ao humor duvidoso diluidor de sua vitalidade irônica. Toda Nudez Será Castigada deve seus méritos muito mais a Nelson Rodrigues que a Arnaldo Jabor, mesmo o último não se curvando ao primeiro, é bom que se diga. Ao cineasta nossas homenagens pela coragem, já ao dramaturgo as láureas pelo encadeamento de personagens e circunstâncias, infelizmente sem ecos tão nuançados enquanto cinema.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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