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Sinopse

Kika K é uma atriz que está em novelas, campanhas publicitárias e é idolatrada por milhões de fãs, mas, por atrás das aparências, atravessa uma crise em sua vida pessoal e profissional. Precisa lidar com um fã obsessivo, um namorado galã sem noção e os compromissos profissionais marcados por sua exigente empresária. Durante o lançamento de um livro de autoajuda que nem mesmo escreveu, recebe a misteriosa visita do verdadeiro autor da obra, que lhe entrega uma mensagem cifrada antes de sumir sem deixar vestígios.

Crítica

TOC: Transtornada Obsessiva Compulsiva, primeiro longa da dupla Paulinho Caruso e Teo Poppovick, é, a princípio, apenas mais uma comédia brasileira derivada do humor televisivo, protagonizada, inclusive, por uma estrela desse nicho, Tatá Werneck. Nada contra a televisão, o ponto aqui é que, nos últimos anos, talvez a partir do imenso sucesso de Se Eu Fosse Você (2006), de Daniel Filho – mas há exemplos anteriores, como as versões cinematográficas do programa Casseta & Planeta (2003) e do seriado Os Normais (2003), além do precursor A Partilha (2001), também dirigido por Filho –, o cinema comercial produzido no país basicamente se dedicou a repetir a fórmula da comédia de piadas bobas, geralmente extraídas de situações extremas vividas por seus personagens, e construção visual e narrativa que remetem à TV. Algumas franquias bem-sucedidas chegaram a ser construídas nesse rastro, sendo De Pernas pro Ar (2010 e 2012) e Até que a Sorte nos Separe as mais significativas.

TOC é, nesse sentido, um pequeno passo adiante. Apesar de por vezes repetir os esquemas de seus predecessores e, sobretudo nos primeiros minutos, apostar excessivamente num timing de humor já esperado de Werneck por quem a acompanha na TV, o filme avança sobretudo ao se mostrar bastante mal comportado. Os diretores, também responsáveis pelo roteiro, optam por sacanear a própria TV, fazendo piada de programas como o Encontro com Fátima Bernardes, da falta de qualidade dramatúrgica das telenovelas, do excesso de ego e do pouco talento demonstrado por algumas estrelas do meio – Caio Astro, personagem de Bruno Gagliasso, por exemplo, parece uma clara referência a Caio Castro, jovem ator conhecido por trazer, junto a sua beleza, algumas doses de futilidade. É como se Caruso e Poppovick repetissem, na feitura do filme, o mote que move sua própria narrativa: um potente e sonoro “foda-se”.

Além disso, esse mau comportamento de TOC se expressa imageticamente, tanto nas brincadeiras visuais que os diretores fazem aqui e ali, como o uso de rápidas montagens de imagens aleatórias para expressar a doença da protagonista Kika K, atriz de sucesso em crise com sua própria personalidade, quanto na opção por piadas um pouco além do aceitável pelo bom gosto médio. Em dois momentos do filme, por exemplo, homens têm seus sacos arrancados por flechas; num outro, o personagem de Gagliasso balança seu imenso pênis sobre a câmera do celular, durante uma conversa virtual com Kika. Vem de Caio Astro, aliás, sujeito viciado em sexo, as cenas mais escrachadas de TOC, que levam o filme para algum lugar relativamente próximo ao cinema dos irmãos Bobby e Peter Farrelly. Seria impreciso dizer, portanto, que TOC se mantém na zona de conforto construída por títulos como os citados anteriormente.

Politicamente, TOC também segue por outro caminho. Ao incorporar à narrativa a filosofia de um de seus personagens, o jovem largado que vive de subempregos sem se importar com nada (interpretado pelo ótimo Daniel Furlan), o filme comenta criticamente o status quo sem necessariamente apelar para a mensagem batida de valorização de um amor familiar supostamente superior à ambição por poder e dinheiro; ao, num breve momento, fazer um de seus personagens ser alvo de um grito de “vai pra Cuba!”, TOC se afasta do conservadorismo das críticas políticas de senso comum e piegas presentes em Até que a Sorte nos Separe 3 (2015) e O Candidato Honesto (2014).

Por tudo isso, vale considerar ainda o quanto a comédia vem mudando na própria TV recentemente. Programas como Zorra (em sua nova versão) e Tá no Ar: A TV na TV (2014-2017) inseriram frescor e acidez no espaço até então modorrento do humor global, muito inspirados pelo que alguns de seus componentes já faziam em emissoras de menor alcance, como a MTV Brasil (caso de Werneck e Furlan), ou na internet, cujo exemplo mais emblemático é o canal Porta dos Fundos (do qual faz parte Luis Lobianco, também presente no elenco de TOC). Nesse sentido, é possível dizer que o filme de Caruso e Poppovick mantém, sim, a tendência da comédia cinematográfica brasileira contemporânea de se inspirar na televisão – a diferença é que se trata, agora, de um humor muito mais corrosivo e inteligente, tanto em conteúdo quanto em linguagem.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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