Crítica

Os dois, juntos, são donos de 4 Oscars – ele tem dois de Melhor Ator, ela tem um de Melhor Atriz e um de Melhor Roteiro Adaptado. Ou seja, de cara já dá pra perceber que não se trata de uma dupla qualquer. E quando os encontramos lado a lado pela primeira vez não há justificativa para não se deliciar com Tinha Que Ser Você, que conta com os ótimos Dustin Hoffman e Emma Thompson. Apesar de não fugir muito dos estereótipos mais comuns do universo das comédias românticas, o tom levemente agridoce assumido pela produção e o fato de termos à frente do elenco dois atores maduros e experientes nos proporciona emoções diferentes e mais interessantes. No final temos um filme sensível e comovente, assim como a própria vida deve ser – ao menos na maioria das vezes.

Escrito e dirigido pelo pouco conhecido Joel Hopkins, Tinha Que Ser Você revela um cineasta discreto, seguro do que almeja e generoso com seus intérpretes. Afinal, o grande destaque deste longa é mesmo conferir as atuações dos astros principais, que parecem muito bem conscientes da rara situação em que estão vivenciando e, assim, procuram tirar o máximo proveito deste momento singular. São dois nomes de impressionante talento, completamente iguais em suas áreas e dignos de um jogo delicioso de se presenciar. E eles aparecem completamente à vontade, no domínio de suas capacidades e em plena forma. Após anos fazendo apenas participações especiais (A Cidade PerdidaPerfume) e dublando personagens animados (Kung Fu PandaO Corajoso Ratinho Despereaux), Hoffman mostra mais uma vez porque é um dos melhores do ramo, um potencial igualado apenas por gigantes como Jack Nicholson, Robert De Niro e Al Pacino. Thompson, por sua vez, também vinha de um período de baixa, desperdiçando seu tempo como coadjuvante de luxo em megaproduções (Eu Sou a LendaHarry Potter e a Ordem da Fênix), sendo que seus últimos trabalhos de impacto foram na televisão (Angels in America, Wit – Uma Lição de Vida). Aqui, no entanto, ela simplesmente brilha, iluminando a tela a cada gesto e olhar. Eles, que já haviam trabalhado num mesmo filme – Mais Estranho Que a Ficção, de 2006 – porém sem contracenarem juntos, finalmente agarram esta oportunidade com carinho e respeito, presenteando fãs, cinéfilos e meros curiosos com este momento inesquecível.

Tinha Que Ser Você faz muito mais sentido se prestarmos atenção ao título original, Last Chance Harvey, ou Última Chance, Harvey. O tal Harvey é o personagem de Hoffman, um compositor de trilhas para publicidade, infeliz com o emprego e em péssima situação profissional, que, apesar de morar em Nova York está a caminho de Londres para participar do casamento da única filha. Lá, ao chegar, mal a reconhece, já que estavam há anos afastados. Sentindo-se um verdadeiro ‘estranho no ninho’, sente o último golpe ao ser informado de que ela prefere ser conduzida ao altar pelo padrasto ao invés do próprio pai. Infeliz, ele acaba indo afogar as mágoas num bar do aeroporto. Lá conhece uma funcionária do departamento de pesquisas, uma solteirona quarentona (Thompson) que também anda bem insatisfeita com a vida que vem levando. Assim que começam a conversar vão percebendo afinidades um com o outro, e decidem curtir aquele dia de modo intenso e verdadeiro, como se realmente não houvesse amanhã – o que realmente corre o risco de não existir, uma vez que moram em continentes diferentes. Mas o destino ainda reserva uma ou outra surpresa ao novo casal.

Apesar da passagem discreta pelas bilheterias norte-americanas – não foram nem US$ 15 milhões arrecadados –Tinha Que Ser Você caiu, merecidamente, no gosto da crítica. Este reconhecimento teve seu auge com as duas indicações recebidas no Globo de Ouro – justamente nas categorias de Melhor Ator e Melhor Atriz, para os dois protagonistas. No final, por mais saborosa e romântica que seja esta jornada que eles desfrutam nesta espécie de Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-do-Sol para a maturidade, o que vale mesmo no filme é poder conferir dois dos melhores intérpretes da atualidade em grande estilo. Algo que, definitivamente, não acontece todo dia.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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