Crítica

Produzido, narrado e protagonizado por William Genovese, The Witness é um documentário pessoal, investigativo e difícil de acompanhar. Ele se debruça sobre Kitty, irmã de William, uma jovem independente e cheia de vida de 29 anos que encantava todos ao seu redor. Nos anos 1960, driblando a pressão social e moralista da época, ela morava sozinha em Nova York, trabalhava em um bar e se relacionava com outras mulheres. Sua vida acabou numa noite como qualquer outra, quando Winston Moseley a abordou e a assassinou com facadas em Kew Gardens, no Queens. Sua morte seria apenas estatística, não houvessem 38 testemunhas impassíveis no prédio em frente ao lugar em que ocorreu o ataque, onde Kitty agonizou durante meia hora e, finalmente, faleceu.

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Enquanto remonta todos os fatos acerca do assassinato que esfacelou sua família, William esmiúça o caso que chocou os Estados Unidos e ganhou repercussão internacional. Inicialmente alardeado a partir de uma matéria bastante sensacionalista do The New York Times, o jornal na época atestava o testemunho de mais de 38 pessoas que não fizeram nada para impedir o crime e sequer chamaram a polícia a tempo de salvar a jovem, que morreu a caminho do hospital depois de finalmente ser resgatada por uma senhora de 70 anos.

Imagens de arquivo, testemunhos familiares entusiasmados e lembranças remotas retratam Kitty como uma mulher à frente de seu tempo, o que amplifica ainda mais a sensação de dor e perda daqueles que ficaram para trás. Expressando um luto permanente, William foi quem manteve as maiores e mais explícitas marcas, tanto emocionais quanto físicas – ele perdeu suas duas pernas em combate no Vietnã, guerra para a qual se alistou com a intenção de escapar de seu lar destruído e confuso. Em The Witness, Bill é tão protagonista quando Kitty e vítima das circunstâncias que levaram sua irmã precocemente. Sua narração é cheia do pesar e rancor que ele carrega desde então consigo, motivações estas que o fizeram reconstruir, analisar e sofrer com o passo a passo daquela fatídica noite há mais de 50 anos.

Entre indicações a prêmios e uma possível nomeação ao Oscar, The Witness segue a atmosfera dos documentários tensos e inacreditáveis de Errol Morris, como A Tênue Linha da Morte (1988) e Tabloide (2010), na relação de crimes incomuns com suas várias camadas e consequências, em especial nas repercussões sociais e midiáticas. Dirigido por James D. Solomon, que caiu nas graças de Robert Redford quando adaptou uma história própria no roteiro de Conspiração Americana (2010), o documentário ainda ecoa dramas familiares como o retratado no excepcional Dear Zachary: A Letter to a Son About His Father (2008), de Kurt Kuenne; filmes que se valem do audiovisual como plataforma para tentar compreender perdas tão irreparáveis e abrandar as dores que acompanham aqueles que ficam.

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The Witness é pontuado por sequências intimistas e delicadas, como quando Bill confronta sua família com novas informações sobre o assassinato de Kitty – ainda que alguns membros fossem contrários às suas investigações – ou quando ele entrevista o filho de Winston Moseley, um reverendo que acredita na inocência do pai. Eis um estudo contundente sobre o insuperável peso do luto, este potencializado por um crime tão bárbaro e incompreensível.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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