Crítica

The Void, longa-metragem da dupla de diretores Jeremy Gillespie e Steven Kostanski, não é para qualquer tipo de público – e, definitivamente, não é para os fracos de estômago. Combinando influências como o cinema oitentista de John Carpenter e os conceitos monstruosos de H. P. Lovecraft, esta obra foi claramente feita por e para fanáticos pelo horror.

A trama segue Daniel Carter (Aaron Poole), um policial que encontra um jovem ferido e visivelmente traumatizado e o leva para o hospital mais próximo. Prestes a fechar as portas, o lugar está deserto exceto por uma pequena equipe: duas enfermeiras, entre elas a esposa de Daniel (Kathleen Munroe), um médico (Kenneth Welsh) e uma estagiária (Ellen Wong). Na sala de espera, uma jovem grávida (Grace Munro) e seu avô (James Millington) aguardam atendimento. Enquanto isso, estranhas figuras encapuzadas parecem cercar o local, mas o grupo logo descobre que o interior do prédio guarda ameaças muito mais sombrias.

Embora as performances não permitam que o filme se afaste completamente de um certo ar de amadorismo que alguns trabalhos independentes carregam, os elementos visuais garantem o oposto; ambos os criadores têm um background em direção de arte, maquiagem e efeitos especiais, e trabalharam juntos em longas como Círculo de Fogo (2013), A Colina Escarlate (2015), a série Hannibal (2013 – 2015) e o ainda inédito It: A Coisa (2017). Por isso, há um evidente esforço de resgatar os efeitos práticos para criar monstros gosmentos cheios de tentáculos, sangue e vísceras numa era quase completamente dominada pela computação gráfica. Boa parte do charme de The Void se deve a esse cuidado: é gratificante para o espectador (especialmente o mais nostálgico) estar diante de uma obra na qual as coisas são feitas “como antigamente”, sem uma dependência excessiva em tecnologias que nem sempre envelhecem bem. Não à toa, por exemplo, a primeira aventura da saga Star Wars sob a tutela da Disney, O Despertar da Força (2015), veio com enorme ênfase no uso de efeitos práticos, bonecos e fantasias elaboradas, elementos que (para a alegria dos fãs) os realizadores compreendem que são parte do estilo visual particular à franquia.

Do ponto de vista temático, o roteiro de The Void parece ter sido adaptado diretamente de um conto de Lovecraft, tamanha a devoção da obra ao subgênero de horror cósmico consolidado pelo escritor norte-americano. Quase todas as características que marcam a mitologia lovecraftiana, particularmente narrativas como O Chamado de Cthulhu e O Horror de Dunwich, estão presentes aqui: há uma seita dedicada a cultuar uma entidade sobrenatural, as criaturas são impossivelmente grotescas e existe o forte tema da insignificância humana diante de figuras muito maiores (em todos os sentidos) com motivações muitas vezes incompreensíveis. Embora o desfecho do filme crie, de certa maneira, uma ponta de esperança no espectador, é difícil ignorar o sentimento de impotência do ser humano diante do “vazio” que dá título à obra. Carter, Alisson, Kim e todos os outros personagens não são exatamente heróis, são pouco mais do que poeira cósmica diante do conceito vago e abstrato do qual são vítimas.

O desenvolvimento da narrativa tem alguns tropeços, trazendo alguns personagens cheios de potencial que não são caracterizados de maneira clara – especialmente as figuras creditadas apenas como “Pai” e “Filho” (Daniel Fathers e Mik Byskov) – e linhas narrativas que se espalham como tentáculos e nem sempre ganham conclusões satisfatórias. Há, ainda, muitos pretextos para demonstrar as qualidades visuais do projeto, mas é difícil considerar isso um problema. Afinal de contas, os realizadores jamais escondem que esse é um dos maiores diferenciais da obra.

Há, sem dúvida, um amor muito sincero em The Void pelo que é grotesco, monstruoso e incompreensível. Para aqueles que compartilham esse amor, portanto, o filme se torna uma viagem completamente insana e sangrenta por um subgênero que se tornou raro no cinema.

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cursa Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e é editora do blog Cine Brasil.
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