Crítica


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Sinopse

Um debate filosófico se estabelece entre um sujeito espiritualizado e um professor suicida.

Crítica

Interpretamos os acontecimentos. Negamos alguns, levamos outros para sempre e negligenciamos a maioria como frivolidades do cotidiano. Sem perceber, forjamos aos poucos a relação entre quem somos, o que acontece e o mundo. Em uma plataforma do metrô de Nova Iorque, encontram-se os dois protagonistas de The Sunset Limited. Sem hora ou local marcado, o momento carrega os ares do imprevisto – porém pode ser um sinal. Embora desconheçamos esta cena, saberemos de sua importância.

Com roteiro escrito por e baseado na peça homônima de Cormac McCarthy, o diretor Tommy Lee Jones – o mesmo do bom Três Enterros (2009) – leva às telas um projeto autoral, de características atreladas ao diálogo e às atuações. O projeto prima por conservar as especificidades do escrito original – concebido para o teatro. Neste aspecto, as técnicas cinematográficas se adaptam a um naturalismo cênico. A história toda se passa na sala do apartamento de um dos protagonistas. A mise-en-scène, portanto, assume a rara dupla função de comportar a sequência de diálogos complexos e servir-lhes como ritmo, uma vez que os cortes estão preocupados primordialmente em não interferir no realismo das atuações. Se por um lado torna-se evidente que a teatralidade amputa os recursos do cinema, por outro, espera-se que Tommy Lee Jones  justifique o risco apresentando-nos um motivo que valha a pena. A suspeita se confirma ao abordarmos o enredo.

Enquanto aguarda o metrô para seguir para o trabalho, o Negro (Samuel L. Jackson) percebe a estranha movimentação do Branco (Tommy Lee Jones). Aos decifrar as reais intenções do personagem de Jones, o Negro o aborda impedindo que se jogue contra o trem. A ação elipsada nos coloca na sala do apartamento do Negro, diante da primeira cena do filme. Aos poucos, os dois desconhecidos nos revelam seus pensamentos. Não há nomes, apenas dois ótimos atores e alcunhas. Por estas, a mensagem se faz ainda mais clara – sem recair abruptamente em um maniqueísmo descabido. Ambas são polaridades clássicas na interpretação do mundo. O Branco ocupa o papel clássico do professor culto, vigorosamente atado à razão, submetido à busca do pensamento claro e absoluto. Seu antípoda, o Negro, é um ex-presidiário acusado por crimes de uma violência impossível de descrever, como o próprio nos revela. Os passados dos personagens os levaram aos opostos: um convicto da lucidez niilista; o outro convicto dos desígnios religiosos. Reflexo perfeito do ocorrido no metrô, o Branco enxerga a situação como um acaso – por vezes percebemos o medo do personagem em vislumbrar outra possibilidade além da sua perspectiva – e o Negro está certo da missão que lhe fora entregue, afinal não é todo dia que temos a chance de recuperar uma vida.

The Sunset Limited apresenta o embate entre duas posições de mundo. A incredulidade e a crença. Se a disposição dos personagens parece apontar para posições dogmáticas simplistas, os diálogos trazem consigo a certeza de que nenhuma visão ancorada na retidão, seja a da razão ou da fé, contempla suficientemente a realidade. Tal qual Hamlets sem nobreza, almejamos compreender a existência, no entanto o máximo que nos é permitido serve apenas para aliviar a tensão dos questionamentos e esbarra naquilo daquilo que somos feitos – seja o átomo ou o barro. Na sala do apartamento, o jogo de argumentos passa de um para o outro. A solução final – aberta e inglória - aponta para o caminho daqueles que conhecem a obra de McCarthy. Serve, contudo, para uma reflexão de mais fôlego. Possibilidade a qual apenas os espectadores darão continuidade.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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