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Sinopse

Um cientista comprova a existência de vida após a morte. No entanto, essa informação provoca um verdadeiro caos na população, seguido de uma onda enorme de suicídios. Em meio a isso, seu filho se apaixona por uma mulher de passado marcado por eventos trágicos.

Crítica

Uma das possibilidades mais excitantes da ficção científica é, a partir de um ponto de vista inevitavelmente preso à época da idealização de seus conceitos, explorar as consequências de, digamos, viajar no tempo, invadir sonhos, construir inteligências artificiais, e aí por diante. Logo, o charme das obras do gênero está em como, apesar de quase sempre depender de tramas fantasiosas, conseguem comentar algo muito mais próximo de nós mesmos. O que me leva a este The Discovery, dono de uma premissa interessante, mas decepcionantemente preguiçoso em explorá-la e, o que é pior, ainda falho, de forma risível, como thriller. O diretor Charlie McDowell (que assina o roteiro ao lado de Justin Lader) teve esta ideia ótima: no futuro, um cientista prova, através de experimentos, a existência da vida após a morte, o que causa uma onda de suicídios por todo o planeta. Entretanto, sem interesse algum em aborda-la, ele a trata como elemento obrigatório para criar um thriller. Basta notar, por exemplo, como os primeiros 15 minutos de filme se dedicam a uma série de diálogos terrivelmente expositivos que dão conta de saturar o contexto. Responsável pela tal descoberta do título, o Doutor Thomas (Robert Redford) já a introduz na cena inicial, numa entrevista jornalística que explica toda a ideia e o impacto social daquilo. Porém, ainda que, segundos depois, um dos operadores de câmera se mate ao vivo, o evento jamais é retomado, deixando preguiçosamente óbvia a sua função textual de embarcar o espectador na trama.

Isolado numa ilha, um ano depois, o pesquisador recebe a inesperada visita do filho, Will (Jason Segel), que traz consigo a suicida Isla (Rooney Mara), garota que ele conhece no caminho, tentando chegar à outra vida anunciada pelas descobertas do pai. E é flagrante que, se sabemos o tempo transcorrido, é porque há uma televisão convenientemente anunciado isso; Se conhecemos o passado de Will e seu ressentimento pela morte da mãe, que também tirou a própria vida, é porque ele inexplicavelmente decide contar isso a uma total estranha – mesmo que mais tarde o roteiro mude de ideia sobre sua personalidade, resolvendo construí-lo como uma pessoa fechada. Depois disso, McDowell parece realmente não saber o que fazer com o meio do filme. Há, entretanto, uma porção de ideias interessantes a serem exploradas. Por exemplo, baseado numa mansão que abriga pessoas cuja tentativa de suicídio foi malsucedida, o laboratório de Thomas é como um grande culto em que os funcionários ora o ajudam em seus experimentos, ora o veneram como um mito. Mas The Discovery não faz muito mais que mostrar isso de passagem. Além do mais, detalhes como os hospitais possuírem campanhas e contadores de sobreviventes para incentivar a vida e combater a cultura do suicídio, buscam claramente enriquecer aquele universo. Mas, novamente, o longa parece achar que somente esse esforço conta como aprofundamento, e não se interessa em, sequer, citar o que mudou no dia a dia das pessoas agora que a morte não é mais o maior tabu da humanidade.

Mas é perda de tempo exigir filosofia de um roteiro despreocupado em esclarecer as implicações diretas aos personagens principais. Ninguém responsabiliza Thomas pela onda de suicídios? Ele pode simplesmente se esconder do mundo e não dar satisfações sobre as consequências da descoberta? Por que é permitido a Isla presenciar reuniões secretas se, num primeiro momento, Thomas nem queria aceita-la ali? E, por que diabos essa garota, tão decidida a se matar, se torna completamente avessa à ideia depois de ser impedida por Will? O filme tem pressa demais pra chegar ao que imagina ser um desfecho arrepiante de tão surpreendente - e quando o twist acontece, é ridículo como a montagem repassa diversos momentos da trama, como se eles ganhassem nova perspectiva com a revelação final (spoiler: não ganham). É tão óbvia essa ânsia de McDowell por puxar o tapete sob nossos pés, que não é sem espanto que me pego recomendando que o cineasta tome algumas lições com M. Night Shyamalan - por mais decadente que este esteja, ao menos entende o tempo e o jeito de envolver o espectador até ser seguro lhe passar a perna sem ofendê-lo.

E The Discovery ofende, entretanto, menos por isso do que pela falta de interesse em si mesmo. De Robert Redford até Jason Segel, passando ainda pelos talentosos Jesse Plemons e Rooney Mara, todo o elenco parece entorpecido pela indiferença, dizendo suas falas em tom monocórdio e com os cenhos fechados, como se isso, por si só, validasse coisas como “ele descobriu como gravar memórias do subconsciente!”. E daí? Entretanto, é possível o longa-metragem realmente instigar reflexões mais aprofundadas. Por exemplo, já que o projeto não liga para as próprias descobertas e possibilidades, o espectador pode se pegar tentando descobrir, ao subir dos créditos, por que investiu nele quase duas horas de sua vida – que na nossa realidade ainda não tem qualquer prova científica de continuar após a morte.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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