Crítica

Como é de se supor, um dos papéis do documentário é documentar, preservar a memória. Essa função fica muito clara em Tempo Suspenso, sobre Laura Bruschtein Bonaparte, uma das fundadoras do movimento das Mães da Praça de Maio.

Na primeira cena, a protagonista vê uma foto antiga de sua família ao lado da neta, diretora do filme. Em meia à conversa de quem é quem, a mais jovem revela à avó que três de seus filhos são desaparecidos políticos da ditadura. A informação pega o espectador de sobressalto, do mesmo modo como acontece com Laura, que hoje sofre de mal de Alzheimer.

É nessa cruel ironia da vida que o documentário se calca: uma mulher que passou décadas na luta pela preservação da memória não é mais capaz de lembrar direito de sua própria vida. Nas cenas recentes, vemos a rotina repetitiva de Laura na instituição onde mora e encontros familiares nos quais ela se mostra confusa. Mesmo sem considerar a jornada heróica dela, as sequências em que o Alzheimer se evidencia são tocantes.

Apesar de o público saber de antemão o triste destino da família, o filme narra todos os eventos em ordem cronológica, como uma forma de denunciar as barbáries do regime totalitário. Isso é feito com a mescla de diversas entrevistas concedidas por Laura no decorrer dos anos. A opção apresenta o cotidiano batalhador e a exposição midiática da protagonista, além de conceder dinamismo com a variedade de registros.

Como a missão de Tempo Suspenso é registrar os fatos e discutir a questão da memória, o longa não desperdiça energia para ordenhar lágrimas. Longe de ser desprovido de emoção, o filme nos confronta com a verdade e com a constatação que o esquecimento de Laura não é de todo mal, considerando o que teve de superar – e isso já é forte o suficiente.

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é formado em Audiovisual pela ECA/USP. Escreve para os sites BRCine e SaraivaConteúdo, além de colaborar para a revista Preview. Participa do programa Quadro a Quadro na TV Geração Z e de videoposts do canal Tateia. Tem experiência em sites (UOL Cinema, Cineclick e GQ), revistas (SET, Movie e Rolling Stone) e televisão (programas Revista da Cidade e Manhã Gazeta).
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