Crítica

Fale sobre a sua aldeia. Este conselho costuma auxiliar artistas em crise na busca por um tema para seus trabalhos. Outro ponto que costuma funcionar nestes momentos é procurar algo relevante para o seu tempo, que esteja no centro das discussões. O diretor Leo Pyrata parece ter optado por essa sugestão ao realizar Subybaya, filme exibido na vigésima edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, no segmento Mostra Aurora, dedicado aos primeiros trabalhos de jovens diretores. A trama é centrada em Clarisse, uma garota de classe média em busca de respostas. Pelo menos essa é a sinopse, já que o espectador sai da sessão sem entender muito bem quais são os dilemas que movem a protagonista. Se o espectador for mulher, além da dúvida, sai carregando uma boa quantidade de indignação.

Subybaya começa com uma frase da escritora Virgínia Wolf, a primeira das muitas que serão mostrados em cartelas que dão início aos capítulos da vida de Clarisse. Porém, este é o único momento de real profundidade do filme. As inúmeras festas mostradas no longa, lugares onde Clarisse busca novos parceiros e as tais respostas, são visualmente belas. O jogo de luzes e os corpos em movimento parecem ter sido pensados e realizados com dedicação, diferente dos diálogos e das interpretações. Pyrata se propôs falar sobre o feminismo, assunto em voga não só na arte, e o fez da forma como achava que devia: expondo seu olhar de homem criado numa sociedade machista. Inclusive, o próprio diretor admitiu isso num debate disputadíssimo ocorrido logo depois da exibição do filme na Mostra.

Não bastasse isso, Pyrata ainda quis fazer metalinguagem, colocando em off comentários de mulheres, todos depreciativos ao seu filme. Poderia ser apenas um exercício de criatividade, mas ficou parecendo um sinal de esperteza. Pyrata não é bobo e sabia que seu filme geraria polêmica entre o público feminino. Logo, construiu suas “detratoras” dentro do filme de forma caricata, lançando xingamentos e se referindo à ele como “machista, babaca e escroto”. O vocabulário fraco não parece ser à toa. O diretor mostra feministas como rebeldes mais interessadas em se impor pela violência que pelo diálogo. Onde ele encontrou esse modelo, jamais saberemos. Só não foi na realidade. E só piora quando, quase no fim da trama, as comentaristas surgem dentro do filme, após um ritual de magia que beira o hilário, para ajudar Clarisse a se livrar de um Boa Noite Cinderela. Se a ideia era simbolizar o conceito de sororidade, houve ruído no envio da mensagem.

Subybaya apresenta o cotidiano de uma mulher a partir da ideia de um homem. O mundo de Clarisse gira em torno de suas saídas em busca de liberdade sexual (que não sabemos se parte da própria ou se é apenas um modo de seguir a maré da amiga liberal com quem ela divide apartamento) e os assédios que ela sofre. Embaraços esses que se resumem a beijos forçados e cantadas antigas. Falta a Pyrata a sutileza de retratar os pequenos constrangimentos, aqueles que vivenciamos e só há pouco tempo começamos a questionar. A diferença de salários, os olhares de reprovação de outras mulheres e até o questionamento diário sobre a roupa que iremos escolher para sair não existem em Subybaya. Ganha ares de ficção-científica até. Clarisse é um alienígena. Claro que existem Clarisses por aí. Mas um pouquinho de raciocínio basta para que elas se questionem e troquem de caminho. O diretor é que trancafiou a sua Clarisse, que lava a louça, beija muito nas festas e não pensa em mais nada. Uma mente vazia em crise. Parece ser assim que o assumido machista e nem um pouco questionador Leo Pyrata enxerga as mulheres. Sua embalagem bem acabada, sua luz bem colocada, esconde um sabor de tutti-frutti, o cúmulo do artificial.

Os debates sobre o filme estão apenas começando e ele deve passar por outros festivais, nunca causando silêncio, e isto é o melhor da produção. Discutir faz parte do consumo da arte e é sempre bom que várias vozes se façam presentes nestes momentos. É uma pena que, num ano que começou com marcha das mulheres em Washington, discussão de feminismo e gênero nas escolas e com a criação do Coletivo Elviras, que reúne mulher críticas de cinema do Brasil (sim, elas existem e são extremamente talentosas e dedicadas, não só para escrever sobre filmes feitos por mulheres, mas sobre todo e qualquer filme!), o filme que causou mais discussão em Tiradentes seja tão pobre de conteúdo e de respeito para com o feminino.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
avatar

Últimos artigos deBianca Zasso (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *