Crítica

No futuro, estudiosos de cinema, TV e cultura pop em geral talvez caracterizem o momento em que vivemos como uma onda de nostalgia. Há uma alarmante quantidade de franquias de trinta ou quarenta anos de idade que foram ressuscitadas recentemente em reboots, continuações ou refilmagens; La La Land: Cantando Estações (2016), o queridinho da temporada, é uma fantasia escapista que homenageia os musicais em Technicolor do século passado; a amada série Stranger Things (2016) é uma carta de amor aos grandes blockbusters infanto-juvenis oitentistas; já filmes como The Love Witch (2016), Ainda Estamos Aqui (2015) e A Casa do Demônio (2009) chamam atenção por emularem as estéticas dos anos sessenta, setenta e oitenta, respectivamente. Embora seja difícil imaginar Stage Fright como uma obra suficientemente relevante para aparecer em estudos futuros, este primeiro longa-metragem de Jerome Sable certamente está inserido nesse contexto: é, antes de tudo, uma celebração do cinema de outrora.

Misturando o gênero musical a uma paródia carinhosa dos slashers dos anos setenta/oitenta, uma combinação bastante incomum, Sable abre a projeção com uma peça que faz clara alusão a O Fantasma da Ópera, trazendo Kylie Swanson (Minnie Driver) como equivalente a Christine Daaé, sendo perseguida por um vilão mascarado. Quando Kylie é brutalmente assassinada por uma figura misteriosa em seu camarim, seus filhos, um casal de gêmeos, ficam sob os cuidados do padrasto Roger (Meat Loaf). Dez anos depois, os irmãos Camilla (Allie MacDonald) e Buddy (Douglas Smith) surgem como empregados num acampamento para jovens fãs de musicais que, curiosamente, está prestes a colocar em cartaz uma releitura de "The Haunting of the Opera". O sonho de Camilla é trilhar os passos da mãe e a garota almeja o papel principal, ignorando os rumores de que a peça estaria amaldiçoada.

Se o enredo soa tolo ou cheio de clichês, este é mesmo o caso. Entretanto, é fácil perdoar uma obra que se vende como uma brincadeira tão despretensiosa quanto esta. Apostando em muita metalinguagem e numa avalanche de referências que vão de Les Misérables a Carrie: A Estranha (1976), Stage Fright traz uma série de personagens que poderiam ter saído diretamente da série Glee (2009-2015) e números musicais que parecerão estranhamente familiares para quem conhece os sucessos da Broadway. Pode parecer absurdo o conceito de um assassino – este é um slasher, afinal de contas – que odeia musicais e só se comunica cantando em ritmo de heavy metal, mas, aqui, ele faz perfeito sentido.

No entanto, se a primeira metade se apresenta como uma comédia que não se leva a sério, o desenrolar da história e o desfecho perdem a oportunidade de traçar comentários a respeito do que está sendo homenageado/parodiado, caindo nas mesmas armadilhas das obras que serviram de inspiração. Talvez o problema mais evidente seja a maneira como a protagonista, Camilla, desenvolve-se. Não é necessário ser especialista no cinema de horror para adivinhar que a garota doce e virginal chegará ao fim da narrativa transformada numa "final girl". Em slashers, geralmente, as garotas finais são as únicas sobreviventes da ameaça maior da história, quase sempre um maníaco homicida; o problema é que, frequentemente, elas são caracterizadas como menos femininas, virgens e/ou pessoas que não demonstram sexualidade, enquanto as mulheres sexualizadas são "punidas" com mortes brutais. Por mais que Camilla não seja masculinizada – a performance de Allie MacDonald, aliás, chega a ser irritante em alguns momentos devido ao excessivo recato que ela confere à personagem, chegando a sussurrar, ao invés de falar, em várias cenas – o filme faz questão de enfatizar repetidamente a castidade da garota, como se isso significasse que ela tem permissão para sobreviver no final. Diferentemente do excelente O Segredo da Cabana (2012), que trata de temas muito similares, este longa não compreende que é possível unir a homenagem à crítica.

Sable peca, ainda, na resolução apressada de todos os conflitos, resultando num final abrupto e não muito satisfatório. A revelação final da identidade do assassino dificilmente surpreende, considerando que as pistas falsas que "incriminam" este ou aquele personagem são tão exageradas que ganham o efeito contrário, levando o espectador a riscar cada uma dessas figuras de sua lista mental de suspeitos.

Com uma proposta irreverente e canções surpreendentemente memoráveis, este filme provavelmente se transformaria num clássico cult se lançado há trinta anos. Infelizmente, esta obra depende demais do material a que faz referência, mostrando-se incapaz de se sustentar como um trabalho individual. Para o nicho que compartilha o amor do realizador por musicais, metalinguagem e horror oitentista, entretanto, Stage Fright será uma feliz - e sangrenta - surpresa.

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cursa Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e é editora do blog Cine Brasil.
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