Crítica

Se ao começar a assistir Spotlight: Segredos Revelados o espectador sentir o clima de Todos os Homens do Presidente (1976), não será mera coincidência. A direção do cineasta Tom McCarthy remete diretamente ao clássico sobre investigação jornalística justamente por tratar do tema da mesma forma seca e objetiva que aquela obra. Não há espaço para dramas pessoais de seus personagens, mas, sim, para retratar o processo de elaboração de uma grande matéria e as dificuldades enfrentadas pela equipe de reportagem em denunciar um escândalo que poderia ficar encoberto: as centenas de casos de pedofilia envolvendo padres de Boston, uma das cidades mais católicas dos EUA, e a tentativa da Igreja em deixar a história por debaixo dos panos. E este trabalho todo justifica os intensos elogios que o filme tem recebido nesta temporada de premiações? Com certeza!

02-spotlight-segredos-revelados-papo-de-cinema

A história é baseada nos fatos verídicos da redação do The Boston Globe, que na época (ano de 2003), estava tendo mudanças editoriais e cortes por conta do baixo desempenho de vendas. Como bem colocado no próprio filme, por conta da guerra que estava começando a se travar com a internet. Com a chegada de Marty Baron (Liev Schreiber), novo editor do jornal, as atenções começam a se voltar para o suposto caso dos cardeais, mencionados em um artigo da própria publicação e que o novo chefe enxerga como um grande furo. A partir disso, a equipe investigativa do Spotlight, comandada por Walter Robinson (Michael Keaton) e composta por Mike Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d'Arcy James) se debruça para conseguir todo o material disponível até ver que o buraco era muito mais embaixo do que parecia.

O trabalho é incansável e retratado minuciosamente. Arquivos de matérias antigas que envolvam nomes de padres são revirados, um grupo de ajuda é descoberto, advogados que atacaram a Igreja na corte são contatados mais de uma vez (com destaque especial para dois tipos bem diferentes interpretados por Stanley Tucci e Billy Crudup), vítimas já adultas são ouvidas e, o principal, a equipe descobre como os abusadores são "afastados" de forma superficial de seus cargos, ainda mantendo contato com crianças. Tudo é explicado de forma fácil pelo roteiro, sem beirar ao didático, mas não deixando que este excesso de informações mais confunda do que ajude o público a entender a história que está sendo formada.

Dito isto, muito mais do que as belas atuações do elenco (forte como um todo e também individualmente, cada um com seu momento) e uma direção segura (ainda que não inovadora, sendo capitaneada de forma clássica), o grande trunfo de Spotlight: Segredos Revelados está em seu roteiro, que divide bem a tarefa de mostrar o trabalho jornalístico e também chocar, mas sem excessos ou melodrama, o conteúdo investigado. Afinal, o abuso infantil por si só já é terrível por natureza. Envolvendo a Igreja Católica, manipulando a fé de seus seguidores, é pior ainda. Não faltam registros de pai indignados relatando as mais diversas maneiras às quais foram coagidos a ficarem em silêncio perante atos imperdoáveis contra seus filhos.

03-spotlight-segredos-revelados-papo-de-cinema

Se o trabalho dos repórteres é incessante, o filme de Tom McCarthy se torna ainda mais importante, pois, é de extrema urgência que o público como um todo conheça histórias como essa para evitar que elas se repitam. O esforço da equipe foi recompensado com um Prêmio Pulitzer e a publicação de mais de 600 denúncias – isto apenas no jornal, já que dezenas de padres e cardeais pedófilos foram descobertos após esta investigação. Merecidamente recompensado com os prêmios que tem ganho, a obra do cineasta é também uma ode a um jornalismo que tem ficado apagado nos últimos tempos, através do qual a informação rasa e rasteira tem tomado contado da timeline globalmente e sendo compartilhada sem ao menos ser checada. Ainda que possa suscitar o jornalismo romântico para alguns, este conto real retrata o grande poder que a imprensa ainda tem de dar luz a fatos que nunca viriam a conhecimento público se dependêssemos da boa vontade das grandes instituições – e agora não falo apenas sobre a Igreja, mas do próprio Estado com seus interesses escusos. A tão imaginária objetividade jornalística aqui revela ser ainda possível com muita boa vontade e o real interesse de informar. Algo que tem sido preterido a cada dia no mundo atual.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
avatar

Últimos artigos deMatheus Bonez (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *