Crítica


5

Leitores


2 votos 7

Onde Assistir

Sinopse

Um psicólogo que ainda sofre a perda de seu grande amor é convocado para analisar o comportamento estranho dos tripulantes de uma estação espacial que orbita o misterioso planeta Solaris.

Crítica

Pretensão é uma questão que merece um cuidado muito delicado: se vital para o progresso e avanço em áreas tão distintas quanto a ciência e o comportamento, em outros casos, quando combinada com orgulho e prepotência, pode ser o primeiro passo para a derrocada. Steven Soderbergh é um cineasta competente, e já deu diversas provas disso. Entre seus méritos está ter surgido como uma promessa, no final dos anos 1980, com o independente Sexo, Mentiras e Videotape (1989), pelo qual ganhou a Palma de Ouro em Cannes, e por ter protagonizado um feito raríssimo uma década depois, quando obteve dupla indicação para o Oscar como Melhor Diretor, no mesmo ano, pelos filmes Erin Brockovich (2000) e Traffic (2000) – vencendo por esse último. Entretanto, durante sua carreira deu inúmeras demonstrações de possuir um ego gigantesco, levando-o a cometer deslizes memoráveis como Kafka (1991) e Full Frontal (2002). E essa releitura de Solaris sofre do mesmo mal, apesar de suas inegáveis qualidades.

A ousadia de Soderbergh começa na ideia: adaptar um épico russo de cerca de quatro horas de duração realizado três décadas atrás. O Solaris original é de 1972, e foi dirigido por Andrei Tarkovsky, baseado na mesma novela – escrita por Stanislaw Lem – que serviu de inspiração para a versão atual. A história em si é filosófica o suficiente: a estação espacial Solaris fica presa no campo atmosférico de um estranho planeta, que provoca bizarras reações nos seus incautos tripulantes: os desejos mais profundos de cada um deles passam a se manifestar fisicamente diante dos seus olhos. Há um bom tempo sem estabelecer comunicação com sua base de origem, caberá ao Dr. Chris Klein (George Clooney, parceiro habitual do diretor, aqui num desempenho esforçado) alterar a rotina dos membros restantes, uma vez que tem como missão levá-los de volta à Terra.

É nesse ponto que o conflito do roteiro começa: a falecida esposa de Klein, Rheya (Natascha McElhone, sempre uma presença luminosa), reaparece ao seu lado, como se nada tivesse lhe acontecido. Após ser confrontado com a surpresa e da verdade dos fatos lhe ser revelada, ele reconhece que quem está ali não é exatamente a mulher que amou, e sim uma representação dela baseada na sua própria percepção – afinal, ela só existe a partir do seu resíduo memorial, captado pela energia do planeta. Porém, ela continua a lhe aparecer dia após dia, tornando para ele cada vez mais difícil a tarefa de manter a lógica, até que a emoção passa a decidir seus atos. Afinal, o que é “realidade”? O que existe é absoluto ou tudo é relativo, de acordo com inúmeros fatores? Não será aquela manifestação também uma possibilidade alternativa, longe da dor da perda, na qual a felicidade ainda é viável?

São questionamentos profundos e que não podem ser elucidados com respostas prontas. Entretanto, isso parecer ser o objetivo de Solaris, ao menos de acordo com o que nos é apresentado. A produção tem um clima interessante, diferente do que estamos habituados a ver em Hollywood – mais contemplativo, pausado. É preciso ir com calma, buscando absorver melhor as intenções propostas. Mas, ao mesmo tempo, exige-se pouco de espectador, visto que os dilemas propostos não se alongam muito tempo na tela – resolve-se tudo com muita rapidez, deixando pouco espaço para o raciocínio do público. Sem dividir com a audiência a condução da trama, o espetáculo oferecido se torna entediante e vazio. Subestima-se em sua gênese a capacidade do espectador colaborar ativamente na construção desse “quebra-cabeças”. Obras abertas à discussão e à reflexão devem permitir diferentes opções de caminhos, sem emitir conceitos definitivos – a participação da plateia é decisiva neste conjunto. Soderbergh, por sua vez, comete o erro de nos entregar um hambúrguer revestido com a pompa de uma especiaria europeia. Tem estilo e até substância, mas no final o gosto é velho conhecido.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *