Crítica

Quatro brasileiros se mandaram para o outro lado do mundo, durante um dos momentos de maior comoção nacional, para observar como povos tão alheios ao frenesi esportivo reagem diante situações ímpares e como eventos de tamanha magnitude podem – ou não – provocar mudanças verdadeiramente transformadoras. Assim nasceu o documentário Sobre Futebol e Barreiras, uma obra dirigida por inacreditáveis oito mãos! Foi preciso quatro co-diretores – Arturo Hartmann, Lucas Justiniano, João Carlos Assumpção e José Menezes – para que o filme tomasse forma tal qual eles imaginaram, num discurso que serve como início de debate sobre como judeus e palestinos encararam a Copa do Mundo de 2010 e como o futebol pode servir como elemento de barreiras, sejam elas reais ou ideológicas.

Sobre Futebol e Barreiras tem como maior mérito os interessantes personagens que apresenta. Temos o judeu israelense que torce para a Alemanha e se pergunta, constantemente, se assim o faz apenas por pirraça, para ser do contra, ou se essa provocação teria razões mais profundas; o árabe que foi um dos maiores jogadores da história do futebol de Israel e que agora não tem para quem torcer, principalmente após a eliminação da Seleção Brasileira, uma das equipes pela qual ele tinha maior carinho; o palestino que vive confinado num vilarejo e não pode ver o mar, mesmo estando a poucos quilômetros de distância da costa, devido à condição política que enfrenta diariamente na Faixa de Gaza e que usa o esporte que assiste pela televisão como válvula de escape; e o torcedor que invariavelmente aposta no time errado. São pessoas comuns que se unem num mesmo discurso, mesmo estando em lados opostos de um conflito, revelando que o que as separa é muito menor do que a infinidade de sentimentos que as aproximam.

Assim como em qualquer conversa de bar, Sobre Futebol e Barreiras faz uso da prática esportiva apenas como pontapé inicial de uma discussão que vai muito além dos limites do campo ou do estádio. Percebe-se que a pesquisa foi intensa pela diversidade de opiniões que apresenta, mas ao mesmo tempo fica próximo da repetição e do cansaço por muitas vezes acabar batendo nas mesmas teclas. O que todos querem, no final das contas, é segurança, liberdade, proteção, justiça e progresso. A política e a religião são fatores que tomam conta do cotidiano destas pessoas do acordar até a hora de irem dormir, e mesmo em momentos de descontração e relaxamento, como quando se juntam para torcer, eles continuam presente, influenciando decisões, conversas e apostas.

Talvez se fosse mais curto e objetivo, Sobre Futebol e Barreiras seria mais eficiente em alertar para o que realmente quer colocar em foco: nem futebol, nem barreiras, e sim a humanidade que está em todos, estejam eles se divertindo ou lutando pelo que acreditam. Israel e a Palestina, aqui, são mais do que cenários, e sim lugares que servem ao propósito de mostrar como bastante clareza como uma mesma verdade pode ser observada de modos tão distintos, dependendo apenas do ponto de vista. O esporte une e aproxima, mas também afasta e provoca. Assim também é a guerra, a exclusão e a insensatez. E se no fundo somos todos iguais, o mais recomendável é não exagerar em nenhum dos sentidos, pois mantendo o equilíbrio é que se pode ver e analisar com clareza as melhores opções. Seja em que âmbito o jogo esteja sendo disputado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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