Crítica

O Rock and Roll é um risco. Para o jovem Conor (Ferdia Walsh-Peelo), que acaba de se mudar para uma repressiva escola católica e sofre com a iminente separação de seus pais, a música é sua fuga e possível justificativa para se aproximar de Raphina (Lucy Boynton), uma modelo misteriosa pela qual se apaixonou. Para o cineasta John Carney, o gênero musical é sua aposta após deixar o folk e o pop embalar dois de seus últimos filmes, Apenas Uma Vez (2007) e Mesmo Se Nada Der Certo (2013). Os riscos de Conor e Carney são recompensados em Sing Street (2016), nova comédia musical do cineasta que se vale da fórmula já bem sucedida de seus filmes anteriores, desta vez agridoce como o som do The Cure e eletrizante como os maiores hits do A-Ha.

03-sing-street-papo-de-cinema


A Dublin dos anos 1980 é apresentada pelos olhos de Conor, garoto de 14 anos que brinca de compor músicas baseadas nas discussões de seus pais enquanto tenta driblar violentos colegas e o rigoroso padre/diretor de sua nova escola. Desafiado por um amigo, ele se aproxima do objeto de seu afeto, a linda Raphina, e a convida para estrelar um vídeo de sua banda. Para sua surpresa, ela aceita. O problema: ele não tem uma banda. Sem pensar em perder sua chance com a garota, Cosmo – alter ego de Conor como músico – logo recruta os tipos mais improváveis para compor seu grupo, batizado de Sing Street.

Inspirado na juventude que John Carney nunca viveu, segundo suas próprias palavras, Sing Street se apoia na vibrante cena musical do rock oitentista muito além de sua trilha, e impressiona pelos figurinos e pose de seus personagens. Cosmo faz um desfile das tendências e ousadias visuais que identificavam os músicos da época; é uma diversão à parte perceber que a cada novo single da banda seu visual se transforma entre aspirações a Boy George, Robert Smith, David Bowie e outros ícones contemporâneos. O cineasta pontua seu roteiro com as pequenas fases que movem o comportamento de Conor: introspectivo e medroso no início, o menino logo se torna ousado, depressivo, agressivo ou romântico, tudo dependendo da música que ouve ou do ídolo que o influencia.

04-sing-street-papo-de-cinema

Como haveria de ser, as referências sonoras são igualmente empolgantes em Sing Street; Duran Duran, Motörhead e as bandas já antes mencionadas se destacam ao lado das composições desenvolvidas especialmente para o filme. “The Riddle of the Model” é a primeira delas e já mostra o potencial do grupo ficcional, que ainda arrasa com “A Beautiful Sea” e o hit “Drive It Like You Stole It”, até mesmo nas influências punks de “Brown Shoes”. Talvez a única nota dissonante seja a canção que fecha o filme, “Go Now”, composta por Carney em parceria com Glen Hansard e Adam Levine e cantada pelo último, que harmoniza melhor com o espírito de Mesmo Se Nada Der Certo.

Sing Street em muito se assemelha com outra recente produção europeia sobre jovens movidos por sons dos anos 1980: Nós Somos as Melhores! (2013), de Lukas Moodysson. Em ambos os exemplos, enredo e música garantem bons motivos para ver, rever e ouvir os filmes, porém o que mais se destaca é o elenco de pequenos grandes atores, desconhecidos, que impressionam pelo talento e compromisso com o retrato de um período distante e que pouco ecoa ao qual eles nasceram. Aqui, Ferdia Walsh-Peelo é o grande protagonista, e domina tanto as notas de sua atuação como as vocais e sonoras com perfeição. Os demais garotos da banda e Raphina não desapontam; o dinamismo entre os meninos são grandes méritos também de John Carney, com sua costumeira e ótima direção de atores e não-atores.

02-sing-street-papo-de-cinema

O Rock and Roll é um risco”, diz Brendan (Jack Reynor), irmão de Conor. Com seus personagens singulares e trilha sonora para ser ouvida à exaustão, Sing Street arrisca do começo ao fim, mas acerta em todas suas investidas. Trata-se de um conto adorável sobre ser jovem, talentoso e irlandês, temáticas igualmente exitosas em The Commitments (1991). A mensagem do filme é inocente e reitera o que Carney já apontou em outros de seus longas: a música tem o poder de nos libertar do turbilhão da vida cotidiana e nos transformar em algo maior e melhor. O clichê não seria assim se não fosse verdade, então é na letra de um dos hits do filme que mora sua essência inspiracional: “Está é sua vida, você pode ir para qualquer lugar. Você deve agarrar o volante e dominá-la, e dirigir como se a tivesse roubado”.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
avatar

Últimos artigos deConrado Heoli (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *