Crítica

Não seria nem um pouco surpreendente se o roteiro de Shocker: 100.000 Volts de Terror, filme que Wes Craven lançou em 1989, tivesse sido concebido como uma continuação de A Hora do Pesadelo (1984), mas que o diretor decidiu retrabalhar, no fim das contas, para ter em mãos algo original. Assim como na franquia de Freddy Krueger, os sonhos desempenham papel importante na história centrada num maníaco assassino que ataca suas vítimas de maneira atípica (na falta de definição melhor). Aliás, a produção é conhecida por ter sido uma tentativa de Craven de emplacar uma nova franquia dentro do subgênero slasher, seguindo o estilo de longas como o próprio A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13 (1980). Mas, é um alívio constatar que o plano do diretor acabou não dando certo, porque este é, sem dúvida, um dos piores trabalhos de sua carreira.

No filme, o manco técnico de TV Horace Pinker (Mitch Pileggi) é responsável pela morte de várias pessoas. O detetive que está investigando os assassinatos é Don Parker (Michael Murphy), cuja esposa e dois filhos são mortos por Pinker. Mas, o outro filho dele, Jonathan (Peter Berg), descobre que consegue prever os ataques de Pinker por meio de seus sonhos, o que lhe dá uma pista para o esconderijo do serial killer. Quando este é preso, a cadeira elétrica acaba sendo seu destino, mas não antes dele fazer um pacto com o diabo. Assim, Pinker não morre na execução, tornando-se um espírito capaz de possuir outras pessoas e se locomover através da eletricidade, habilidades que ele utiliza para ir atrás de Jonathan.

Por mais absurda que seja a premissa de Shocker, ela não chega a ser particularmente bizarra para um filme de terror. Contudo, a forma como Wes Craven a desenvolve é inacreditável, no pior sentido da palavra. Quando o diretor usa o poder de seu vilão para que ele possua o corpo de uma garotinha que, então, vemos sair mancando e falando palavrões, fica claro que ele perdeu a noção do ridículo. Essa nem é a cena mais esdrúxula do longa que, algum tempo depois, traz Pinker dizendo que não conseguiu possuir um personagem porque este gostava muito de Jonathan, em uma tentativa nada eficaz de querer regrar algo que não precisa disso. E adivinhem? Essa ainda não é a parte mais risível do filme. Pena ele não ser uma comédia.

Shocker é uma daquelas produções que se supera. Quando pensamos que não pode ficar pior, ela fica. Realmente parece que estamos vendo o filme de um diretor não sabe o que está fazendo. E estamos falando de um realizador cujo talento para o terror ficou mais que comprovado ao longo dos anos. Em determinado momento, Shocker até desiste de querer fazer sentido, chegando a usar os sonhos como uma forma preguiçosa de recuperar objetos, algo que funcionaria se estivéssemos falando do universo de Freddy Krueger.

Levando tudo isso em conta, nem é preciso dizer que Shocker carece de qualquer tensão, se é possível dizer que Wes Craven tenta inserir isso na narrativa. Pior, o filme quer que torçamos por Jonathan, um personagem aborrecido e interpretado sem carisma por Peter Berg, hoje mais conhecido por seu trabalho de direção em produções como Tudo Pela Vitória (2004), Battleship: A Batalha dos Mares (2012), e O Grande Herói (2013). O mesmo pode ser dito do vilão, encarnado de maneira amalucadamente exagerada por Mitch Pileggi, que se esforça para mostrar toda a insanidade de Pinker, sem, contudo, impedi-lo de cair no ridículo.

Wes Craven errou feio em Shocker. Trata-se de uma bobagem bagunçada e indefensável, em que o diretor não dá nem sinais das coisas boas que é capaz de fazer. Não à toa, é uma produção merecidamente relegada ao esquecimento. Esperamos que permaneça assim.

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é crítico de cinema, formado em Produção Audiovisual na ULBRA, membro da SBBC (Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos) e editor do blog Brazilian Movie Guy (www.brazilianmovieguy.blogspot.com.br). Cinema, livros, quadrinhos e séries tomam boa parte da sua rotina.
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