Crítica

O Natal está para Hollywood como os elfos do Papai Noel, se existissem, estariam para a indústria capitalista: explorados à exaustão. Entretanto, é curioso perceber que o subgênero não parece assim tão desgastado, e para cada meia-dúzia de filmes natalinos insossos lançados todo ano, vez por outra um acaba se mostrando realmente memorável. O que é o caso de Sexo, Drogas e Jingle Bells, que, incorporando elementos de um apanhado de contos clássicos sobre a época (sem que jamais soem como referências gratuitas), se revela uma comédia muito mais esperta do que sugere o precário título brasileiro.

01-sexo-drogas-e-jingle-bells-papo-de-cinema

Com um currículo que já conta com Superbad: É Hoje (2007), Segurando as Pontas (2008), É o Fim (2013) e A Entrevista (2014), pode-se dizer que Seth Rogen é um Adam Sandler que deu certo. Ou seja, um comediante que faz filmes com basicamente sempre com os mesmos amigos, tanto na frente quanto atrás das câmeras, mas que sabe quando estar no centro das atenções e quando dar espaço para seus habitualmente divertidos companheiros de cena assumirem o protagonismo. Além disso, seus longas (sim, seus, já que ou produziu, ou escreveu, ou os dirigiu) costumam arrancar boas gargalhadas sem vitimar ninguém que não sejam os próprios personagens ou seus intérpretes – algo que “comediantes” como Sandler e sua trupe, por exemplo, parecem não entender. Aliás, nem é preciso ir muito longe: a diferença é a mesma entre um Porta dos Fundos e um Parafernalha, entre um Gregório Duvivier e um Danilo Gentilli. Ou seja: não é preciso diminuir ninguém para ser engraçado, basta ser inteligente.

Ainda jovem, Ethan (Joseph Gordon-Levitt) perdeu os pais em um acidente na véspera de Natal. Tentando ajudá-lo a superar o luto, seus dois melhores amigos, Isaac (Seth Rogen) e Chris (Anthony Mackie), criam a tradição de farrearem os três juntos nas madrugadas do dia 24 de dezembro, todos os anos. Porém, mais de uma década depois, carreira e família começam a atrapalhar o ritual do trio, forçando-os a decretar que só poderão repetir a dose uma última vez. No intuito de fazer valer então sua derradeira noitada de Natal, os rapazes conseguem ingressos para uma cultuada festa secreta que acontece em Nova York. Sua jornada até ela, entretanto, será repleta dos mais inusitados obstáculos.

02-sexo-drogas-e-jingle-bells-papo-de-cinema

O resultado do roteiro escrito pelo diretor Jonathan Levine (do ótimo 50%, 2011) ao lado de Evan Goldberg (que co-dirigiu É o Fim e A Entrevista com Rogen) é uma espécie de odisseia de uma noite só, que incorpora em sua estrutura marcantes elementos de histórias de natal, independente se do cinema (Esqueceram de Mim, 1990, ou Duro de Matar, 1988), da literatura (Um Conto de Natal), teatro (Quebra-Nozes) ou mesmo da cultura popular (o Grinch, os três reis magos da Bíblia). A cada parada Ethan, Isaac e Seth acabam desvendando um verdadeiro ecossistema natalino pela madrugada da Grande Maçã, que engloba bêbados fantasiados de Bom Velhinho no estilo Billy Bob Thornton em Papai Noel às Avessas (2003), celebridades sem qualquer habilidade social (depois de Emma Watson e a música de Katy Perry, agora é Miley Cyrus quem dá as caras em uma produção da turma), e um traficante de maconha que acaba suprindo tanto a função dos fantasmas que assombravam Ebenezer Scrooge no clássico de Charles Dickens, quanto do anjo de A Felicidade Não se Compra (1946) – e que é vivido pelo fantástico Michael Shannon, cada vez mais um dos melhores atores da atualidade.

Porém, nenhuma homenagem, referência ou releitura oferecida parece perdida, pois ou fazem parte da trama e a jogam para frente, ou desenvolvem um pouco mais das carismáticas figuras vividas por Levitt, Rogen e Mackie – que parecem se divertir horrores com seus personagens. Levitt e Rogen especialmente, uma vez que conseguem repetir a química estabelecida em 50% sem jamais remeter aos personagens daquele filme – ainda que seja, novamente, a inevitável participação de James Franco que acaba roubando as atenções quando surge, já mais pro final. Assim, Sexo, Drogas e Jingle Bells soma mais um acerto na carreira desses comediantes, que conseguem se entregar às típicas tolices do gênero, como fazer piadas sobre a sexualidade de um amigo, mas sem jamais atingir com isso ninguém que além deles próprios.

03-sexo-drogas-e-jingle-bells-papo-de-cinema

O que condiz com a diversidade e pluralidade que Levine consegue estabelecer ao longo de Sexo, Drogas e Jingle Bells, fazendo uso de cenários que, embora sempre vítimas da previsível ambientação noturna e urbana, conseguem se distinguir pelos diferentes tons empregados pelo cineasta – e é particularmente divertido o microuniverso etéreo dentro do carro de Mr. Green (Shannon). E enquanto desejamos que a parceria entre Sandler e seus amigos encontre logo a aposentadoria, fica a torcida para que Rogen continue a se envolver com projetos que talvez não resultem nas mais engraçadas e marcantes comédias do ano, mas que envolvem e divertem o suficiente para serem lembradas. Essa, ao menos no Natal, certamente será.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
avatar

Últimos artigos deYuri Correa (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *