Crítica

A temporada de Fórmula 1 de 1994 está gravada na memória de muitos brasileiros. A expectativa para o início daquela temporada era enorme. Ayrton Senna tinha acabado de trocar a McLaren por uma escudaria mais forte à época, a Williams. Sinal de que o campeão brasileiro poderia voltar a levantar o troféu do mundial. Na primeira corrida, no Brasil, a primeira decepção. Senna abandona a prova depois de ter conseguido a pole. No Grande Prêmio do Pacífico, no Japão, Senna repetiria a pole position, mas rodaria logo no início da corrida. A volta por cima poderia acontecer em San Marino, na Itália. Infelizmente, não foi assim. Quem chorou pela morte do piloto em 1994 talvez tenha problemas em segurar a emoção ao reencontrá-lo no documentário Senna, dirigido pelo britânico Asif Kapadia (Um Guerreiro Solitário, 2001).

Com roteiro do estreante Manish Pandey, o documentário reconta os dez anos em que Ayrton Senna disputou campeonatos na Fórmula 1. Desde seu início promissor pela pequena Toleman, em 1984, passando por sua destacada performance na Lotus (pela qual conseguiu sua primeira vitória) e pela sua consagração na McLaren. O longa-metragem dá bastante espaço para a conhecida rivalidade entre o piloto brasileiro e o francês Alain Prost e dá voz para muitas figuras importantes na trajetória de Senna, como Ron Dennis (o então chefão da McLaren), Frank Williams (o cabeça da equipe Williams), Viviane Senna (irmã do piloto e responsável pelo Instituto Ayrton Senna) e Reginaldo Leme (jornalista e tradicional comentarista das corridas pela Rede Globo).

Abandonando a tradicional estética do documentário na qual os depoentes aparecem sentadinhos contando sua história para o espectador, Asif Kapadia utiliza apenas imagens de arquivo para montar seu longa-metragem. Somente o áudio das entrevistas é utilizado, eliminando a necessidade da figura de um narrador. Todos os depoentes são narradores, contando com a ajuda do próprio Ayrton Senna, que tem várias de suas entrevistas resgatadas e utilizadas no documentário.

A história do piloto brasileiro é tão impressionante que, por vezes, parece saída de um filme hollywoodiano. É o caso de algumas corridas vencidas por Senna, que conseguia passar por cima das piores adversidades. Isso nas pistas, pois fora delas a história era mais complicada. Mostrando bem as engrenagens políticas que fazem a Fórmula 1 se mover, Senna não usa de meias palavras para apontar o favorecimento do então presidente da FIA, o francês Jean-Pierre Balestre, ao seu compatriota Alain Prost. Algumas imagens bem interessantes dos bastidores da Fórmula 1 são inclusas no filme, como a reunião entre pilotos e a FIA às vésperas de cada grande prêmio.

O ponto alto de Senna são os momentos que mostram toda a rivalidade entre o piloto brasileiro e Prost. Os dois iniciaram sua “parceria” na McLaren de forma bastante cordial. Mas com o passar do tempo, o ódio de um pelo outro chegou a um nível tal que os dois não escondiam sua repulsa nem nas entrevistas. É fato que esta rivalidade fez crescer a carreira de ambos – e, obviamente, a McLaren. Apostando nesta briga, Asif Kapadia acerta ao mostrar os dois lados da moeda, fazendo questão de apresentar ao espectador a jogada de Prost em cima de Senna no campeonato de 1989 e a eventual resposta do brasileiro no campeonato seguinte. É bem verdade que boa parte do documentário pinta Senna como uma figura perfeita, deixando outras histórias menos inspiradoras para trás. Mas, ao menos, esta passada de perna do piloto brasileiro, que se engalfinha com Prost na primeira volta do último grande prêmio de 1990 é colocada sem maiores prejuízos à imagem do herói.

A vida privada de Ayrton Senna é deixada de lado na maior parte do tempo, mas ainda existem algumas cenas curiosas – como a imprópria visita do piloto ao programa da apresentadora Xuxa Meneghel, na qual os dois trocaram “juras de amor” de forma bastante questionável visto o público alvo do programa. O foco aqui, claro, é no piloto e sua trajetória vitoriosa. Bastante religioso, Senna aparece agradecendo a Deus mais de uma vez pelas suas vitórias e pelo lugar que conseguiu chegar na Fórmula 1. É de arrepiar, aliás, algumas entrevistas cedidas por Ayrton Senna nas quais o piloto fala sobre planos para o futuro, planos estes que seriam podados pelo acidente fatal que aconteceria na Itália. Aos 34 anos, o piloto genial encontraria o seu fim.

O documentário dá um grande destaque àquele final de semana fatídico em San Marino. Podemos notar a angústia de Ayrton Senna ao observar Rubens Barrichello sofrer um acidente grave na sexta-feira e a morte do austríaco Roland Ratzenberger no sábado. Tudo dizia que aquela corrida não deveria acontecer. Como legado daquele fim de semana trágico, as mortes de Ratzenberger e Ayrton Senna deixaram a Fórmula 1 muito mais preocupada com a segurança de seus pilotos. Desde então, nenhum outro profissional morreu exercendo seu trabalho nas pistas rápidas dos grandes prêmios ao redor do mundo. Uma lição aprendida à duras penas.

Senna é um documentário recomendável a todos que puderam acompanhar a trajetória de um dos maiores pilotos da história do automobilismo, mas também é um ótimo ponto de partida para quem não viu a lenda em ação. Vinte anos depois de sua morte, existe toda uma nova geração que não pode conhecer os feitos de Ayrton Senna. E para estes, Senna é um longa-metragem obrigatório.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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