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Sinopse

Os detetives e amigos Andreas e Simon levam vidas diferentes: o primeiro é casado e pai de uma criança, enquanto o segundo acabou de se divorciar e passa os dias se embriagando. Tudo muda quando eles são chamados para lidar com um casal de viciados em drogas e Andreas encontra o filho dos dois chorando dentro de um armário. Abalado pela cena, o policial precisa da ajuda de Simon, pois começa a perder a noção de justiça e não consegue mais ver os limites entre o certo e o errado.

Crítica

Girando em torno de uma série de conflitos interligados, Segunda Chance se concentra no repentino falecimento de Alexander, bebê do policial Andreas (Nikolaj Coster-Waldau). Após esta tragédia, e visando a sanidade da esposa, Anna (Maria Bonnevie), ele acaba levando para casa o pequeno Sofus, outra criança de mesma idade que vivia sob a custódia insalubre de um delinquente, deixando com esse apenas o corpo do próprio filho no lugar. O filme tem o roteiro escrito por Anders Thomas Jensen, reconhecido autor de curtas-metragens vencedor do Oscar por Valgaften (1999), também parceiro habitual da diretora Susanne Bier, e que aqui deixa claro seus dotes para histórias curtas ao inserir diversas situações que poderiam funcionar sozinhas, se não fossem ligadas – de maneira orgânica, vale ressaltar – pelo protagonista.

Isso acontece graças a condução intimista de Bier, que prefere os closes e planos que seguem os personagens de costas, automaticamente convidando-nos a segui-los também, parecido com o que Darren Aronofsky faz em sua filmografia, principalmente em O Lutador (2008) e Cisne Negro (2010). A diretora não raramente também investe em recursos diferenciados através da montagem, que incluem aqui e ali planos de detalhe dos olhos de Andreas, cheios de distorções de luz na imagem, como interlúdios de insanidade na frieza calculista do policial. Tal postura não só faz sentido como também tem precedentes em Vício Frenético (2009), de Werner Herzog, com a já infame cena das iguanas – que apesar da má fama, é eficiente também em transmitir o mesmo tipo de espasmos de esquizofrenia do protagonista.

Em outro momento, a cineasta prefere apenas fazer uso do replay, típico de clipes ou de filmes de ação, que precisam estabelecer um acontecimento diversas vezes para que o espectador entenda o que houve ou para ressaltá-lo. Aqui, quando Andreas recebe uma notícia especialmente impactante, o momento se repete rapidamente como se ele o estivesse repassando mentalmente para poder processar o que realmente foi dito. Desse ponto de vista, Bier gera um filme que além de visualmente atraente – apesar do quadro simples, uma mãe segurando seu bebê e um carrinho em silhueta na frente dos faróis de uma enorme carreta é belo em sua composição – é também um que sabe se expressar pela linguagem audiovisual.

Méritos dados à equipe técnica, é importante reconhecer que a verdadeira responsabilidade recai sobre Nikolaj, ator popular por sua participação na série Game of Thrones (2011-). Ele se sai admiravelmente bem ao se manter longe da persona de canalha irreverente que estabeleceu com seus trabalhos anteriores. Austero e enérgico em seu trabalho, o Andreas policial se contrapõe ao pai calmo e introspectivo que é em casa, sendo curioso vê-lo misturar estas duas facetas quando vida profissional e pessoal passam a ser uma coisa só. Note como ele entra em casa e arruma sua mochila com a mesma rispidez e praticidade com que invade a residência do delinquente no início do filme. Uma transição que igualmente ocorre com o personagem de Ulrich Thomsen, antigo colaborador de Bier – participou também de Brothers (2004) e Em Um Mundo Melhor (2010) – tem aqui o único tropeço da parceria habitual. Seu Simon passa de alcoólatra problemático para uma figura centrada de modo muito brusco. Tal mudança, ao invés de fazê-lo soar complexo, apenas reforça a impressão de que são dois personagens completamente diferentes usados conforme a conveniência do roteiro.

Incomoda, mas não chega a atrapalhar, o arco tocante a Andreas e o seu dilema moral. Afinal, conforme conhecemos também o delinquente Tristan (Nikolaj Lie Kaas) – pois, sabiamente, nos é permitido acompanhar o desenvolvimento do “vilão” – percebemos que o ato desesperado do protagonista não foi de todo vil, e há nele um embasamento humanitário. Uma identificação que é importante para que a tensão aplicada seja funcional em transmitir a urgência que a situação toma conforme adversidades expõem o segredo do policial. Com o acréscimo de tipos periféricos que, apesar de unidimensionais, são vivos e tomam decisões que afetam drasticamente a narrativa principal, é uma decisão corajosa da realizadora, tendo em vista a própria estranheza do argumento, desenvolver acontecimentos marcantes que facilmente distrairiam o espectador ao longo do desenrolar da trama. E um feito ainda maior se considerarmos que Segunda Chance é um drama que consegue com facilidade nos dragar para o seu universo melancólico e nos levar através dele ao lado de seus personagens sem julgamentos.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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