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Sinopse

Sentaro administra uma pequena padaria que serve dorayakis. Ele aceita com relutância a ajuda de uma idosa que, adiante, mostra ter uma aptidão natural para o trabalho. Graças a ela, o negócio prospera como nunca.

Crítica

A natureza possui um papel fundamental na obra da cineasta japonesa Naomi Kawase. Seja uma floresta, como em Floresta dos Lamentos (2007), ou o mar, como em O Segredo das Águas (2014), os conflitos dos personagens de Kawase passam inevitavelmente por uma integração com os elementos naturais. Em seu novo trabalho, Sabor da Vida, a diretora não deixa de lado essa característica, ainda que ela seja apresentada de modo mais sutil e menos incisivo do que em outros de seus longas. A trama acompanha Sentaro (Masatoshi Nagase) cozinheiro e gerente de uma pequena loja de dorayakis – doce típico japonês composto de duas panquecas recheadas com pasta de feijão vermelho – que procura uma ajudante para a cozinha.

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Quando Tokue (Kirin Kiki), uma senhora de idade avançada, se oferece para a vaga, Sentaro recusa a oferta, acreditando que o ritmo de trabalho será pesado demais para a idosa. Porém, após provar a pasta de feijão caseira feita por Tokue, o cozinheiro decide dar uma chance à simpática senhora, que com sua deliciosa receita acaba conquistando um grande número de clientes, fazendo as vendas da loja dispararem. O dia a dia na cozinha faz com que se estabeleça uma relação sincera de respeito entre Tokue e Sentaro, que juntos de uma jovem e solitária estudante colegial, Wakana (Kyara Uchida), irão enfrentar alguns dos fantasmas de seus passados.

Além de tocar nas feridas emocionais de seus personagens, Kawase também toca em uma grande ferida histórica de seu país: o tratamento dado aos leprosos no início do século 20. Tokue representa essa mancha do passado, pois apesar de quase mágicas, suas mãos são deformadas pela doença, e assim como todos os outros portadores da lepra foi obrigada a viver como uma verdadeira prisioneira, isolada do convívio social, em locais afastados construídos pelo governo. Trabalhando com as figuras dos excluídos, Sentaro é um ex-presidiário e Wakana vive praticamente abandonada pelos pais, Kawase realiza uma transição da habitual integração entre seus personagens e a natureza para a reintegração dos mesmos à sociedade.

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Ao trabalhar na loja de dorayakis, Tokue finalmente volta a se sentir parte da comunidade, se sentir útil, e sua relação, que transita entre a amizade e a posição de mestre e aprendiz, com Sentaro, faz com que ele – um chef que nem sequer gosta de doces – também tente encontrar um novo rumo para sua vida. É a libertação – do asilo para leprosos, da prisão, da escola – que Kawase oferece a seus personagens, e que os motiva a buscar um recomeço. Dessa sensação de liberdade, a cineasta tira alguns dos mais belos simbolismos do longa, como o que envolve o pássaro pertencente Wakana, no ato final do filme, e insere também as imagens da natureza que tanto lhe são caras. Seja no modo como Tokue trata os ingredientes de sua receita, “ouvindo” a história de seus feijões, ou na cerejeira ao lado da loja, que simboliza a passagem do tempo, Kawase realiza a sua conexão entre as pessoas e o ambiente que as cerca. A natureza é a vida, que surge até mesmo face à morte, como nas árvores que são plantadas quando do falecimento de algum dos pacientes do asilo para leprosos – já que estes não podem ser enterrados.

Através de um aparente despojamento narrativo e visual, Kawase impõe sua mise èn scene naturalista, de movimentos de câmera fluídos e alguns enquadramentos desfocados, que transmitem realismo e delicadeza a cada cena. Elementos que são de extrema importância para que o longa seja emocionante sem tomar o caminho fácil da pieguice. E mesmo nos momentos em que o longa parece desviar para essa direção, Kawase retoma o controle, mantendo seu foco e construindo sequências tocantes e sinceras, auxiliada pelas grandes performances de seus protagonistas, em especial Kirin Kiki com sua Tokue. Uma atuação comovente e irrepreensível.

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Com toda essa sutileza, Kawase consegue até mesmo driblar algumas fragilidades do roteiro, como a construção da personagem Wakana, que poderia ter seu arco melhor desenvolvido, mas que ainda assim funciona bem como um elo que estreita os laços entre Tokue e Sentaro. E é Sentaro que termina sofrendo a grande transformação do longa. O calado e melancólico cozinheiro finalmente se livra do peso que carregava por seus atos passados, e no singelo plano final, envolto pela beleza natural, reencontra o prazer pela vida.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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