Crítica

Assim como praticamente tudo no Brasil, tem-se por hábito tratar como “genuinamente nacional” somente as manifestações culturais surgidas na Região Sudeste, em especial nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Os oriundos dos demais estados, artistas da Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraná, Pará, Amazonas, Santa Catarina, Goiás ou Mato Grosso, por exemplo, sempre ganham a conotação de “regionais”, como se o que ali é feito fosse uma expressão singular e isolada, e não reflexo de um país como um todo. Na música, e no rock em especial, essa barreira começou a ser superada no início dos anos 80, com o surgimento de bandas que marcariam presença nacionalmente. A diferença é que elas vinham de um outro lugar, de uma terra nova e até então não-explorada: Brasília, a capital do Brasil.

Esse é o objetivo de Rock Brasília – A Era de Ouro, mais recente documentário de Vladimir Carvalho: mostrar como uma cidade planejada, por muitos considerada artificial e sem vida própria, pode ter se tornado o cenário ideal para o aparecimento de tantos grupos e cantores que atingiriam uma expressão nacional – e o melhor, fora do eixo Rio-SP. Para tanto, dê-lhe entrevistas e material de arquivo. Um dos depoimentos mais emocionantes não foi captado especialmente para o filme, mas colhido de diversas reportagens e que agora ganha uma nova dimensão: Renato Russo, vocalista do Legião Urbana, morto em 1996 e que agora, 15 anos depois, parece estar sendo redescoberto pelo cinema. Além deste trabalho, ele irá ganhar uma cinebiografia e versões cinematográficas de dois dos seus maiores sucessos: Faroeste Caboclo (com roteiro de Marcos Bernstein, o mesmo de Central do Brasil) e Eduardo e Mônica (um curta dirigido por Nando Olival, o mesmo de Os 3, já exibido nos cinemas e na internet numa popular campanha publicitária). Os dois longas estão ainda em produção, e devem chegar às telas em 2012.

Mas Rock Brasília vai além do Legião Urbana e Renato Russo. É mais, e é antes disso também. Temos as origens do Aborto Elétrico e da Plebe Rude, com entrevistas com nomes como Marcelo Bonfá, Flávio e Fê Lemos, Dado Villa-Lobos e Philippe Seabra. E não contentando-se apenas com esses, temos também Herbert Vianna e Bi Ribeiro, do Paralamas do Sucesso, e Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, além do jornalista e produtor musical José Emilio Rondeau, pais e amigos dos artistas e até Caetano Veloso, que como sempre resolve deixar o seu pitaco, mesmo sem ter muito a ver com a história. Esse, aliás, é o maior defeito do filme: junta-se tantas referências e episódios isolados que, no conjunto, essa união soa um pouco desigual, evidenciando o que não tem relevância (como a visita à cidade de Patos de Minas) e minimizando o que realmente importava.

Vladimir Carvalho é um dos maiores documentaristas do país, responsável por títulos de destaque, como O País de São Saruê (1971), Conterrâneos Velhos de Guerra (1991) e Barra 68 – Sem Perder a Ternura (2001), entre tantos outros. Mas, como pode-se perceber por esses títulos, ele nunca foi um cineasta popular – como o irmão, Walter Carvalho, diretor de longas como Janela da Alma (2001), Cazuza – O Tempo Não Pára (2004) e Budapeste (2009), ou outros documentaristas de igual renome no cenário brasileiro, como Eduardo Coutinho (Edifício Master, 2002) e João Moreira Salles (Santiago, 2007). Talvez esse seu Rock Brasília represente uma tentativa de se comunicar com um público maior e mais representativo. Mas o resultado fica aquém do esperado, seja pela pouca familiaridade do diretor com o tema, ou por um roteiro que se perde em detalhes, sem focar no que realmente interessa. No final, ficamos a par de todas as manifestações musicais fantásticas que Brasília já vivenciou. Mas os porquês por trás disso tudo e o que se pode esperar daqui pra frente, isso deve ter ficado no caminho. O que é uma lástima.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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