Crítica


7

Leitores


1 voto 10

Onde Assistir

Sinopse

Dez curtas-metragens de cineastas renomados sobre a Cidade Maravilhosa, purgatório da beleza e do caos.

Crítica

Obras coletivas sempre representam um desafio bastante intrincado, ainda mais quando nos referimos ao gênero cinematográfico. São raros aqueles que apresentam um resultado equilibrado, sem deixar a desejar num ponto ou noutro, ao mesmo tempo em que, pelo tempo limitado que seus realizadores dispõem, poucos são os que conseguem superar as expectativas iniciais. Rio, Eu Te Amo, capítulo nacional da franquia Cities of Love, cujos exemplos mais populares até então foram Paris, Te Amo (2006) e Nova York, Eu Te Amo (2008) – mas que rendeu também uma passagem pela Geórgia (Tbilisi, I Love You, 2014) e depois deverá seguir por Israel e China (são os próximos destinos previstos) – também tem seus altos e baixos, mas a feliz constatação ao assisti-lo é que o conjunto é relativamente uniforme, mérito que se deve principalmente às boas sequências que ligam um episódio ao outro. A impressão que fica é a de um trabalho único, múltiplo, colorido e diverso, exatamente como é a capital carioca – ou como a maioria dos turistas e desavisados costuma percebê-la a cada visita.

Com produção geral de Emmanuel Benbihy, a série tomou a sábia decisão de diminuir a quantidade de trechos envolvidos (no longa francês eram 18 ao todo) para um número mais apropriado ao formato. Assim, temos dez curtas-metragens ambientados no Rio de Janeiro, cada um com elenco e direção próprios, conectados entre si por passagens que combinam a maioria dos atores de uma história com outra. Essas importantes transições, que conferiram unidade ao longa, ficaram sob responsabilidade do roteirista Fellipe Barbosa e do diretor Vicente Amorim. O trabalho dos dois foi fundamental para que o filme soasse como um conjunto, oferecendo a diversidade necessária e complexa exigida por um projeto com tais ambições. Elaborado com isso em mente, Rio, Eu Te Amo apresenta tramas que continuam uma na outra, desenvolvendo-se de maneira orgânica e natural. O personagem que apareceu antes pode revelar uma relação inesperada com aquele tipo insuspeito, o drama de um pode ser a comédia daquele outro, e o sonho desse aqui em mais de uma ocasião se tornará realidade graças à intervenção de quem menos esperamos. Contribui também para que o quadro geral se torne mais atraente as participações de Michel Melamed, como um taxista acostumado a sofrer por amor, e, principalmente, Claudia Abreu, que se insere em mais de um enredo com muita tranquilidade, revelando ao mundo uma característica bastante típica da cidade, em que com o jeitinho certo tudo é possível.

Entre os realizadores individuais, há quatro brasileiros e seis estrangeiros. Andrucha Waddington abre os trabalhos colocando sua sogra – a sempre excelente Fernanda Montenegro – como Dona Fulana, uma mendiga que há anos vive pelas ruas da cidade e é descoberta pelo neto (Eduardo Sterblitch, que esteve sob o comando do cineasta anteriormente na comédia Os Penetras, 2012). O tom é de liberdade, e será impossível esconder um sorriso diante das inspiradas declarações da protagonista. Diferente do que presenciamos quando José Padilha e seu ator-fetiche Wagner Moura entram em cena, trazendo ambos uma pulsante insatisfação contra as injustiças locais que acabará direcionada a quem pouco pode fazer. Curioso perceber a forma como Cleo Pires e Caio Junqueira são descartados quase sem piedade pelo realizador. Carlos Saldanha deixa um pouco de lado sua carreira como animador para trabalhar pela primeira vez com intérpretes de carne e osso colocando Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer como um casal de bailarinos em crise em plena apresentação no Teatro Municipal. O resultado é bonito, fugindo com força daquele Rio de cartão postal, porém sem muita energia. Essa, no entanto, se percebe com folga no mais inspirado de todos os segmentos: A Musa, em que Fernando Meirelles apresenta o francês Vincent Cassel como um escultor de areia apaixonado. O modo como o realizador brinca com os sons das ruas e com as figuras que compõem o cenário urbano demonstra uma criatividade singular e hipnotizante.

Se o mexicano Guillermo Arriaga resolve brincar de luta clandestina com Jason Isaacs e Laura Neiva sem, no entanto, provocar maiores impactos, menos feliz ainda é a participação do australiano Stephan Elliott, que combina Ryan Kwanten e Marcelo Serrado escalando de mãos nuas o Pão de Açúcar, apenas para lá em cima se deparar com um cupido lisérgico encarnado na leveza de Bebel Gilberto, em participação constrangedora. John Turturro atua na frente e atrás das câmeras como um marido apaixonado – porém envolvido em feroz discussão – pela esposa, interpretada pela francesa Vanessa Paradis (que já havia trabalhado com ele na comédia Amante à Domicílio, 2013), e o resultado é tão morno que só se salva pela bela sequência musical de encerramento. Mas há ainda algumas surpresas curiosas, com tudo de bom – e de mal – que se pode esperar. Paolo Sorrentino, vencedor do Oscar deste ano por A Grande Beleza (2013), oferece um sentimento um tanto amargo e bastante cínico ao focar sua lente em um casal com grande diferença de idade, ao mesmo tempo em que o sul-coreano Sang-soo Im brinca com clichês cariocas com efeito (a alusão às escolas de samba é muito bonita), porém exagera ao misturar vampiros com prostitutas nas favelas do Vidigal. E pra encerrar, tem-se no menino Cauã Antunes uma revelação: ao estrelar o segmento Milagre, dirigido pela libanesa Nadine Labaki, ele rouba a cena tanto da realizadora (aqui aparecendo também como atriz) mas também do grande Harvey Keitel, que compõe um tipo leve e bem humorado, distante de suas personificações mais habituais.

Funcionando basicamente como um cartão de apresentação da cidade – e, por que não, do próprio país – Rio, Eu Te Amo é um filme eficiente em suas propostas, mas que no entanto se contenta em atingi-las sem exigir nada além. Ao reunir um time impressionante de astros à frente e atrás das câmeras, é natural que se espere demais de um conjunto como esse, porém é importante não esquecer que poucos dos envolvidos tiveram mais do que cinco ou sete minutos para exercerem suas artes. Assim, fica evidente o caráter de mero aperitivo, porém com uma importante conclusão: há, sim, um gostinho de quero mais no final. E num caso assim isso já está bom demais.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *