Crítica

Rio Congelado foi uma das maiores surpresas nas indicações ao Oscar 2009 – um filme pequeno, praticamente sem expressão alguma, que conseguiu ser lembrado em duas importantes categorias: Atriz e Roteiro Original. Só que este espanto acaba logo após assisti-lo – tal reconhecimento não é nada menos do que merecido! Intenso, cru e verdadeiro, vai direto ao ponto, sem perder tempo em detalhes ou outros pormenores, atingindo com precisão o estômago do espectador que, sem saber como reagir, é levado a um turbilhão de emoções difíceis de lidar, porém necessárias. E o final, apesar de parecer chocante para alguns, nada mais é do que lógico – uma busca pela verossimilhança que está refletida durante toda a produção.

Talvez o melhor de Rio Congelado seja justamente isso: o respeito pelo público. Sem concessões, possui uma história a ser contada, e em nome dela fará o que for preciso – mesmo que isso provoque desconfortos e estranhamentos. Mas a aridez dos diálogos e o cenário pouco acolhedor nada mais é do que uma escolha acertada da realizadora Courtney Hunt, que em seu primeiro trabalho como cineasta assumiu a direção e o roteiro. Para ela não há meias-verdades ou explicações exageradas. Tudo o que é visto e dito tem seu porquê, um lugar que espera ser preenchido. Pode até soar cruel, mas como aproximar a audiência de uma realidade tão distante senão partindo para posturas mais radicais? Assim, próximos, conseguimos entender melhor os personagens, vivenciar suas dificuldades, derrotas e indecisões, e deste modo, justificá-los.

A protagonista, vivida por Melissa Leo, em um desempenho arrebatador, é Ray Eddy. Ela não tem 50 anos, mas seu rosto traz todas as marcas que só o tempo pode se encarregar. Criando dois filhos sozinha, acabou de ser abandonada pelo marido, um viciado em jogos que fugiu para Las Vegas. Trabalhando como assistente de uma loja de pechinchas, ganha quase nada e não tem como manter a família. O filho mais velho praticamente não a respeita mais, ameaçando largar a escola para ir trabalhar e aplicando pequenos golpes quando está sozinho. Já o caçula não tem muita noção do que acontece ao redor, e tudo o que quer é que o Papai Noel lhe dê a nova casa, há tanto tempo prometida. Com isso em mente, Ray precisa levantar mais de quatro mil dólares. Sua única dúvida é: como?

Uma oportunidade surge ao se deparar com a índia Lila (Misty Upham, numa atuação igualmente arrasadora). Ela está envolvida com o tráfico de estrangeiros para dentro dos Estados Unidos. Sua tarefa é cruzar o rio congelado que existe no meio da reserva Mohawk entre Nova York e Quebec, no Canadá. Cada viagem pode render mais de mil dólares para cada uma. Mas algo ilegal tem seus perigos, e estes se fazem presentes nos dois lados da lei. Mas, cada vez mais sem opções, Ray terá que tomar decisões radicais em nome dos próprios filhos, mesmo que isso signifique algo tão doloroso quanto inimaginável.

A habilidade da diretora e roteirista em desenhar o destino dos seus personagens é comovente e impressiona pela objetividade. Já o trabalho das atrizes Leo e Upham são dignos de todo e qualquer aplauso. Melissa Leo, acostumada a pequenos papéis em filmes como As Duas Faces da Lei (2008) e 21 Gramas (2003), agarrou esta chance de estar à frente de um longa com todas as forças, e o excelente trabalho apresentado não só lhe valeu a presença na maior festa do cinema mundial como prêmios no Festival de San Sebastian, no National Board of Review, no Festival de Marrakesh, dos Críticos da Flórida e Central Ohio, além de estar concorrendo como favorita ao Independent Spirit Award. Palmas que ela merece! Sua força e dedicação contaminam o filme como um todo, e no final estará impregnado em nossa mente com tamanho impacto que será difícil esquecê-la. Grande vencedor do Festival de Sundance e com um custo de apenas um milhão de dólares, Rio Congelado chegou de mansinho, como um convidado inesperado na lista dos melhores de 2008. Porém, tem méritos suficientes para se impor num lugar de honra na preferência de qualquer um que se aventurar por estas águas geladas, mas mais do que satisfatórias.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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