Crítica

Quem é Laura?”, pergunta um entrevistador ao protagonista de Réquiem Para Laura Martin, já nos últimos minutos da projeção. O personagem central (Anselmo Vasconcellos), identificado apenas como Maestro, calmamente responde: “Laura não existe. É uma criação minha”. A audiência, que acompanhou a vida e a morte de Laura (Ana Paula Serpa) por quase duas horas, sabe que ele está, evidentemente, mentindo. No contexto da narrativa, ela foi, certamente, uma pessoa real o suficiente para impactar profundamente as vidas do protagonista e de sua esposa (Claudia Alencar). Entretanto, essa resposta revela o que é provavelmente o único momento verdadeiramente honesto do personagem. É sua maneira de finalmente admitir que nunca amou realmente sua musa; era apenas obcecado por uma imagem idealizada que criou a partir dela.

O drama dos diretores Luiz Rangel e Paulo Duarte é centrado na figura de “Maestro”, um compositor extremamente rico e famoso que tenta lidar com a morte precoce de Laura Martin, uma musicista com quem desenvolveu um relacionamento extraconjugal. Vítima do que parece ser algum tipo de doença degenerativa, Laura fica debilitada, obrigando o amante a levá-la para a própria casa, deixando-a sob os cuidados de Raquel, a esposa traída.

Se, em alguns momentos, a pouca naturalidade dos diálogos aliada a performances excessivas, dá à obra uma qualidade quase teatral, em outros, só a completa entrega dos atores (particularmente de Claudia Alencar) é capaz de vender as estranhas situações em que os personagens frequentemente se encontram. Vasconcellos faz um excelente trabalho encarnando um protagonista extraordinariamente repulsivo – é difícil dizer se isso é uma qualidade ou não, já que, em alguns momentos, o filme parece esperar que a audiência simpatize com o drama do compositor –, estabelecendo Maestro como um homem de comportamento arrogante e egoísta, capaz também de agredir, controlar, dominar e até estuprar a mulher que diz amar perdidamente.

Uma intensa misoginia permeia toda a obra; cabe ao público decidir se esta é uma característica do filme ou apenas de sua figura central. Maestro abusa física e emocionalmente de ambas as personagens femininas, mas elas seguem competindo pelo amor do homem. Laura surge, inicialmente, como um contraste à figura estereotipada da esposa frígida e invejosa vivida por Raquel, continuamente diminuída e infantilizada ao longo da projeção. Há de se argumentar que, de todos os personagens, a figura mais patética é justamente a de Maestro – o roteiro estabelece até que sua musa era uma musicista mais talentosa do que ele, responsável inclusive por sua carreira de sucesso. Ainda assim, o homem “destruído” pela paixão doentia é quem triunfa e fica com todo o crédito, enquanto Laura é desumanizada por ele até após a morte; de figura idealizada, ela transforma-se em mártir e, então, num objeto, incapaz de escapar das mãos do protagonista.

Um dos maiores acertos de Rangel e Duarte, o surpreendente desfecho é capaz de dar uma perspectiva completamente diferente a todo o filme, convidando o espectador a revisitar a obra e enxergá-la com outros olhos. Esse aspecto, entretanto, dificilmente redime a falta de apuro técnico e a narrativa indigesta que marcam o projeto. Réquiem Para Laura Martin é um curioso estudo de personagens obsessivos e pervertidos, levantando questões complexas e que ficam abertas à interpretação, mas mostra-se irregular e, às vezes, desagradável demais para realmente conquistar o espectador.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
cursa Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e é editora do blog Cine Brasil.
avatar

Últimos artigos deMarina Paulista (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *