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Sinopse

No Rio de Janeiro de 1964, Tony, um agente da CIA radicado no Brasil, é afetado pelo clima de conspiração reinante nos bastidores da presidência de João Goulart. Encarando a desconfiança dos EUA, ele prepara uma armadilha ao presidente, o que pode atrapalhar os planos do golpe militar em curso.

Crítica

Cinema é a arte da imagem, do som e do diálogo. É o que resulta da combinação de todas as demais artes. A mais completa, e também a que mais se apoia nas demais. Mas o cinema possui particularidades. E um dos maiores problemas dos cineastas brasileiros é não saber fazer essas diferenciações. A forma de atuar no cinema é muito diferente da que se vê no teatro ou na televisão – apesar de poucos, no Brasil, terem isso em mente. Essas características específicas se fazem presente também na direção, na iluminação, na fotografia. E, óbvio, no roteiro. Escrever um roteiro cinematográfico é uma tarefa bastante distinta daquela exigida ao redigir um romance.

São dois tipos de literatura. É importante ter isso claro. Uma das maneiras mais simples de identificar quando um roteirista confundiu as duas é a presença de narrações em off. No cinema, não é preciso ter uma voz do além explicando ao espectador o que acontece, o que aconteceu ou o que irá acontecer. Para isso há a tela, as cenas que estão se desenvolvendo e que estamos presenciando. O off é um artifício redundante e emburrecedor. Tira do público a capacidade de pensar e de chegar por si só às conclusões mais óbvias. Porém, por mais doloroso que possa ser admitir essa verdade, o cinema brasileiro adora uma narração em off. E Reis e Ratos é mais uma prova disso.

São tantos os problemas com Reis e Ratos que é uma tarefa e tanto decidir por onde começar. O off é, definitivamente, um deles, mas sua utilização na cinematografia nacional anda tão intensa – outros exemplos recentes são 2 Coelhos e Amanhã Nunca Mais, entre tantos – que já estamos um pouco vacinados. O pior, no entanto, é o tom farsesco assumido por toda a produção. Todo o elenco parece fazer força para que ninguém na plateia esqueça de que tudo que está sendo exibido se trata de uma grande, e mal executada, piada. Os atores estão caricatos, o excesso do uso do preto e branco nos flashbacks (que duram mais da metade da projeção) incomodam e a ambientação – figurinos, direção de arte, fotografia – é tão artificial que torna impossível a tarefa de identificação do espectador com sei lá o que se desenvolve em cena.

A trama parte do princípio de que os americanos foram uma força decisiva no golpe militar de 1964. Bom, isso, de fato, não é segredo para ninguém. Mas o que o diretor Mauro Lima tenta fazer é inverter a ordem dos acontecimentos, colocando um agente estrangeiro (Selton Mello, péssimo) em território nacional tentando a todo custo impedir que a intervenção do exército aconteça. Há ainda o seu braço direito nessa missão, um oficial da aeronáutica (Otávio Müller, contido), um locutor de rádio afeminado (Cauã Reymond, perdido) que vez que outra entra em transe durante o próprio trabalho e revela, ao vivo, planos de ataque que desconhece, e até um pilantra de segunda categoria (Rodrigo Santoro, esforçado, porém com uma maquiagem sofrível) que mais atrapalha do que colabora. Seu Jorge não diz a que veio e é impossível criar qualquer simpatia por Paula Burlamaqui. Mas o auge da ruindade é a femme fatale interpretada pela novata Rafaela Mandelli, uma brasiliense que aqui foi colocada para atuar como gaúcha, e o desastre é completo do início ao fim. Basta a coitada abrir a boca com um sotaque pra lá de forçado que a vontade de se levantar e ir embora se torna ainda mais forte.

Filmado em 2009, Reis e Ratos é um filme que mesmo antes de chegar às telas, agora, no começo de 2012, já está envelhecido. O enredo é confuso e em muitos momentos não faz o menor sentido. A preocupação com os efeitos especiais e com o visual geral do período histórico enfocado deve ter sido tão constante que não sobrou diretor para o que realmente importa, no sentido de construir personagens interessantes e uma trama que os conecte de forma crível e inteligente. Equivocado, exagerado e cansativo, esse longa é mais uma amostra de tudo de ruim que o cinema nacional insiste em repetir, inspirando-se nos blockbusters vazios de Hollywood, ao invés de seguir trajetórias muito mais iluminadas e humildes, como a dos nossos vizinhos argentinos ou dos sempre inovadores europeus. Tudo bem, não chega a ser um As Aventuras de Agamenon, O Repórter, mas é de embrulhar o estômago do mesmo jeito.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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