Crítica


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Sinopse

Bill tem seus sonhos interrompidos pela Guerra da Coreia, em 1952. No campo de batalha,  conhece Percy, que vira seu melhor amigo, e conspira contra um sargento intragável. Nas folgas, se apaixona por uma linda mulher.

Crítica

Depois de longos oito anos sem filmar, o veterano John Boorman voltou à ativa em 2014, dando sequência à Esperança e Glória (1987), um seus filmes mais pessoais, pois repleto das lembranças difíceis de quem viveu a infância durante a Segunda Guerra Mundial. Rainha e País segue a linha memorialística, agora acompanhando a época em que Bill (Callum Turner), espécie de alterego do autor, presta o serviço militar obrigatório. O menino de antes, que testemunhou o pai indo à guerra em virtude de um patriotismo tipicamente britânico, boa parte alimentado pela mística da coroa, agora é o jovem submetido às ordens militares, confinado com muitos que esperam participar da intervenção inglesa no conflito entre as Coreias do Norte e do Sul. Lá ele encontra um grande amigo, o inquieto Percy (Caleb Landry Jones), com quem divide momentos de folga e o flerte com as garotas.

John Boorman, a despeito dos anos longe do cinema, apresenta um filme rico em ironia e sarcasmo, no qual as contradições estão a serviço de uma construção narrativa que visa não apenas a sequência do registro afetivo de uma vida marcada pelas guerras, mas também a deflagração da rigidez das forças armadas enquanto instituição que transforma jovens em números carregando armas. Embora essa intenção fique evidente desde o começo, principalmente nos constantes confrontos de Bill e Percy com os oficiais de mais alta patente, Boorman não pesa a mão, evitando demarcar territórios restritivos. Assim, mesmo que tenhamos simpatia por uns e antipatia por outros, a dimensão humana prevalece sobre qualquer maniqueísmo. Até o hierarquicamente superior Bradley (David Thewlis), a princípio apenas um autômato regido pelas normas do exército, vai se mostrar frágil como qualquer outro moldado para achar que a pátria está acima do indivíduo.

Rainha e País narra o amadurecimento de Bill e a iminência de sua vida adulta, usando o exército, seus cenários e ditames característicos como moldura. Há diversas piscadelas somente identificáveis a quem viu o primeiro filme. Talvez a mais bela de todas, e uma das mais sutis, ocorre na cena em que o protagonista conduz uma canoa pelo rio, exatamente como seu avô o havia ensinado na obra anterior. Além disso, são muitas as menções ao cinema. De Casablanca (1942) à Rashomon (1950), volta e meia alguém evoca algum clássico, o que nos leva a crer que foi exatamente naquele instante que o jovem Boorman começou a se interessar pela Sétima Arte e suas possibilidades. O encerramento com um plano fechado na câmera que roda até parar é uma imagem bastante forte e significativa, pois, ao invés de marcar um fim, prenuncia o começo.

Não deixa de ser surpreendente John Boorman, com mais de oitenta anos, fazer um filme tão vigoroso e cheio de jovialidade como Rainha e País. Na tela pulsam as ideias controversas do garoto contestador, inconformado tanto com os poderes instituídos quanto com as regras impostas. Enredado por uma mulher de olhos tristes, ele experimenta pela primeira vez o amor, a desilusão, retorna à casa do lago para encontrar a mãe, o pai, o avô e a irmã que agora tem dois filhos, vivendo os dias de então com um pé no outrora, mas sem saudosismos exacerbados. Dá para notar que o próprio autor volta para o lar quando a câmera aponta aos personagens que, de alguma maneira, representam figuras de seu passado. Mais uma vez, Boorman é terno sem abdicar do olhar ferino.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
8
Ailton Monteiro
7
MÉDIA
7.5

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