Crítica

Conhecido como um dos mais tenazes comediantes do cinema hollywoodiano, Mel Brooks construiu sua fama a partir de paródias bem humoradas de gêneros específicos, sejam os musicais, os faroestes, os filmes mudos ou os thrillers de suspense. Poucas vezes, no entanto, se arriscou em histórias completamente originais, como aconteceu em Que Droga de Vida, um dos seus últimos trabalhos como cineasta e sua participação derradeira enquanto protagonista. E talvez seja essa falta de experiência no formato a razão maior pela péssima acolhida que o projeto recebeu tanto da crítica quanto do público. Reações estas um tanto exageradas, ainda que não desprovidas de certa razão.

Orçado em US$ 13 milhões, Que Droga de Vida arrecadou nas bilheterias norte-americanas cerca de um terço deste valor quando em exibição nos cinemas, há mais de vinte anos. É, ainda, um dos seus trabalhos com pior avaliação da crítica especializada (20% de aprovação no Rotten Tomatoes, por exemplo). Não chega a ser uma performance tão ruim quanto a do seu último longa (Drácula: Morto Mas Feliz, de 1995, com 11% de aprovação), mas está longe dos bons resultados que alcançou com O Jovem Frankenstein (94%) ou Banzé no Oeste (90%), ambos de 1974. Esta, no entanto, era sua primeira obra completamente autoral desde Banzé na Rússia (92%), de 1970. Longe dos universos temáticos com os quais o público havia se acostumado a identificá-lo, apoiá-lo nessa incursão pessoal se tornou uma tarefa difícil e pouco gratificante para a maioria dos espectadores.

E não sem motivos. Afinal, Que Droga de Vida nos conta a jornada de um bilionário enquanto aprende a se virar diante o lado sujo da realidade, assim podemos dizer. Fruto de uma aposta com um colega, Goddard Bolt (Brooks) aceita abdicar de toda a sua fortuna por 30 dias, para viver nas ruas como um desconhecido e assim comprovar sua capacidade de sobrevivência. Caso se saia bem sucedido, conseguirá um acordo imobiliário que possibilitará a construção de um megacentro comercial com o seu nome. Do contrário, será ele que precisará abdicar deste sonho em favor do concorrente. Nesse meio tempo, terá que aprender a revirar latas de lixo, enfrentar a chuva e o desalento e lutar contra malandros aproveitadores. Temas, como se pode perceber, não muito agradáveis.

Seria muito simples reduzir este filme a apenas uma versão um pouco mais melancólica de Trocando as Bolas (1983), comédia clássica em que Eddie Murphy e Dan Aykroyd invertem os papéis entre o rico e o pobre para ver quem se sai melhor. Afinal, o sofrimento que Bolt precisa enfrentar nessa nova vida não chega a ser tão horrível assim – passa frio e fome, mas encontra um abrigo que lhe oferece cama e comida, ao mesmo tempo que faz novas amizades e descobre o amor em uma outra moradora de rua, a valente Molly (Lesley Ann Warren, que apesar da diferença de idade – ela é vinte anos mais nova do que Brooks – desenvolve uma boa química com ele). De resto, há desenlaces esperados – um golpe que desvirtua a proposta original do jogo – e uma conclusão bastante previsível – com direito até um casamento entre os personagens principais.

No entanto, aquele que se dedicar a olhar com um pouco mais de atenção, perceberá em Que Droga de Vida um certo refinamento e uma profundidade cada vez mais rara em produtos voltados às grandes massas. Perde-se o timing para uma que outra piada, mas a graça visual continua presente, com sacadas que somente os olhares preparados identificarão. Mel Brooks entrega aqui seu testamento cinematográfico – os dois títulos que realizou depois não mais contam – e mostra sua desilusão em relação ao desaparecimento de um tipo de cinema que sabia combinar humor com inteligência. As audiências mudaram, e ele, vendo-se na obrigatoriedade de se adaptar, preferiu dar adeus. Uma triste – porém sábia – decisão.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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