Crítica

Realizar uma produção com temática homossexual sem que a mesma possa ser taxada de "filme gay" é um desafio no meio cinematográfico. Destinadas a um público muito específico, poucas histórias do gênero conseguem ir além da nomenclatura, talvez sendo O Segredo de Brokeback Mountain (2005) o maior exemplo das últimas decadas. Pois o diretor e roteirista mexicano Sergio Tovar Velarde consegue a proeza de alcançar o patamar do filme de Ang Lee ao tornar as histórias de Quatro Luas um romance universal sobre relacionamentos e amor contemporâneo, falando de paixão adolescente, traições, juventude perdida e ao frescor do sentimentos mais ardorosos.

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De forma até óbvia, as quatro histórias são intituladas como as fases do satélite. Lua Nova conta a história de um garoto de dez anos (Gabriel Santoyo) que se descobre atraído pelo primo mais velho. Em Lua Crescente, dois melhores amigos de infância (Gustavo Egelhaaf e Cesar Ramos) se reencontram após anos e se apaixonam, ainda que um deles não queira se assumir. Com Lua Cheia, há um casal que está junto há dez anos (Alex de la Madrid e Antonio Velázquez) e enfrenta as dificuldades de uma relação duradoura, ainda mais com o surgimento de uma terceira pessoa. Para encerrar, o delicado Lua Minguante trata da obsessão de um poeta idoso e casado (Alonso Echánove) que fica obcecado por um garoto de programa.

As histórias acontecem ao mesmo tempo e são mescladas de forma linear por uma edição bem arranjada que sabe quando dar mais espaço para uma sem esquecer de outra. Em apenas um momento os personagens das duas se cruzam, o que acontece após o incidente de uma festa fetichista. A montagem é tão bem realizada que o clímax de todas as histórias se unem sem que haja sobreposição. Porém, antes disso, o desenvolvimento da narrativa evidencia os talentos envolvidos. O roteiro se furta de dar destaque à palavra homossexual, tornando os relacionamentos e sentimentos revelados na tela como algo comum, algo que qualquer outra produção deveria fazer também. O desgaste do casamento dos galãs do filme é um exemplo, já que poderia haver uma troca para um relacionamento entre um homem e uma mulher sem perda do potencial dramático. Acompanhamos toda a humilhação que um deles se submete para manter o amor desgastado, enquanto a outra parte, ainda que se sentindo extremamente culpada, tenha rompantes por conta das atitudes do amante. Um naturalismo raro na exposição de relacionamentos em filmes de mainstream.

Ainda assim, é claro que por se tratar de um filme em que o centro da atenção sejam personagens homossexuais, a discussão sobre família e saída do armário acaba se tornando destaque em diversos momentos. Num deles, inclusive um dos mais belos da produção, a mãe que antes preferia não discutir a preferência sexual do filho, acaba consolando-o após um fora, falando que vai aceitar o rapaz que amá-lo de verdade. O mesmo serve para o pai que, após a revolta de descobrir a verdade sobre o filho, resolve ensiná-lo a se defender, numa sutileza que apenas um roteirista sensível poderia pensar. Ainda há espaço para um singelo momento no banheiro que traz à tona um beijo há muito desejado.

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Com diálogos reais que parecem ter sido criados a partir de experiências com amigos próximos, Quatro Luas ganha ainda mais pontos ao tratar desta diversidade de temas sem precisar levantar bandeira, mas nunca deixando de se posicionar sobre o amor entre iguais. O longa se torna não apenas uma teia sobre os relacionamentos de hoje em dia, mas uma ode ao amor próprio que todos devem ter antes de dedicarem seus sentimentos para os outros. Uma bela realização que merece todos os aplausos recebidos nos festivais nos quais foi exibido. Acima de tudo, do público de mente aberta que recebeu este filme de braços abertos.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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