Crítica

Prison System 4614 não é um documentário qualquer. Aliás, tem personagens tão curiosos em situações tão impressionantes que é muito fácil pensar se tratar de um filme de ficção que pegou emprestado elementos do gênero documental. O que o diretor alemão Jan Soldat faz neste seu novo filme – e que já vinha fazendo em outros trabalhos de sua filmografia – é mostrar sem qualquer pudor um fetiche extremo. Neste caso, homens que voluntariamente são aprisionados e recebem tratamento de tortura e espancamento. Pode requerer certo estômago de plateias mais sensíveis, ainda que exista um pouco de humor em algumas situações. É o típico filme que deixa sua impressão, tão marcante quanto algumas chicotadas levadas pelos personagens deste filme.

De início, somos apresentados a dois homens. Um está encapuzado, vestindo apenas cuecas, sendo molhado e torturado pelo outro sujeito – alto, calvo, com barriga proeminente, vestindo roupas militares. O dominador quer arrancar uma verdade do seu prisioneiro sob pena de afogamento. O subjugado se recusa a proferir palavra. Mais tarde, o veremos recebendo açoites nas costas. Desta vez, o diretor da prisão tem um companheiro ao seu lado, o guarda. Paulatinamente, outros detentos vão nos sendo apresentados, mas existe algo estranho na forma como são tratados em cativeiro. Não demora em descobrirmos que, na verdade, nenhum daqueles homens está ali contra sua vontade. Todos têm tara por este tipo bastante específico de sadomasoquismo e mostram sem qualquer tipo de restrição a sua vida por ali.

É bom avisar que Prison System 4614 é para estômagos mais fortes. O documentário não se furta em mostrar cenas de tortura. Mas também é notório que até mesmo nas cenas em que os açoites são acometidos, existe um cuidado por parte do dominador em não passar dos limites. Estes limites, inclusive, são delimitados pelos “prisioneiros”, com palavras de segurança para evitar qualquer exagero.

Jon Soldat não é novato neste universo, já tendo filmado outros trabalhos a respeito de fetiches. É interessante notar que ele nunca julga seus retratados ou os coloca em uma luz estranha a respeito de seus prazeres. Em pequenas entrevistas com os retratados, entendemos as regras do jogo e sabemos que é uma via de duas mãos, entre os dominadores e os dominados. O depoimento mais curioso é o último, cedido pelo diretor da prisão, que tem uma vida normal ao lado do seu companheiro, o guarda. De forma cândida, ele explica seu trabalho e seus limites e ainda afirma que nada ali é feito sem afeto. Afinal de contas, tudo ali é realizado com consentimento de ambas as partes.

Para o público que começou a prestar a atenção na palavra sadomasoquismo ou na sigla BDSM (Bondage & Discipline, Domination & Submission) depois de Cinquenta Tons de Cinza (2015), pode ficar de cabelos em pé ao tomar contato o que acontece em um pequeno local na Alemanha – e que, provavelmente, não é o único do mundo. Curioso, muito intenso e revelador. Três predicados ideais para um documentário ser imperdível.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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