Crítica

No início de sua carreira como diretor, Ingmar Bergman se dedicou a comandar roteiros escritos em parceria com outra pessoa, ou adaptações de livros e peças. Foi preciso alguns filmes no currículo até esse renomado sueco levar pela primeira vez às telas uma história original, concebida totalmente por ele. Isso veio a acontecer em Prisão (1949), seu sexto longa-metragem, que, apesar de mostrar certa artificialidade em alguns momentos (detalhe que pode ser decorrência do baixo orçamento), consegue ser uma obra que faz jus à sua belíssima filmografia.

Prisão tem início quando o professor de matemática Paul (Anders Henrikson) sai de um asilo e visita seu antigo aluno Martin (Hasse Ekman), que agora é cineasta. No encontro, o primeiro compartilha com o segundo a ideia para um filme: a Terra é o verdadeiro inferno comandado pelo próprio Diabo. Mesmo não acreditando muito no potencial da trama, Martin repassa o enredo a seu amigo e jornalista Thomas (Birger Malmsten), este que, por sua vez, comenta sobre uma matéria que tentou fazer com a prostituta Birgitta Carolina Söderberg (Doris Svedlund), dizendo depois, em tom de brincadeira, que ela seria ideal para protagonizar o longa. No entanto, as vidas de Thomas e Birgitta eventualmente mostram que a conjectura realmente merece atenção.

Bergman realiza em Prisão um conto existencialista, num viés que ele tanto gostava de explorar. Se no prólogo, visto antes dos créditos iniciais (que, aliás, são narrados ao invés de inseridos nos típicos letreiros), vemos Thomas bem humorado ao lado de sua esposa Sofi (Eva Henning) e de Martin, logo depois testemunhamos sua vida bastante apática, tanto que ele cogita o suicídio. E isso se passa apenas seis meses após, indicando o quão rápido a vida pode se tornar incômoda. O mesmo acaba servindo para Birgitta, cujo arco dramático é ainda mais trágico que o de Thomas, considerando que inicialmente a vemos bem, para logo depois a reencontramos numa situação complicada (e as coisas para ela pioram ainda mais a partir daí). Assim, é interessante acompanhar a história como um “filme dentro do filme”, já que aquilo que Thomas e Birgitta vivem, juntos ou individualmente, acaba se relacionando com a ideia proposta por Paul. A própria estrutura utilizada pelo diretor permite que Prisão seja visto dessa forma.

Bergman demonstra humanidade tocante no modo como conduz tudo isso, tendo noção de que mesmo que a vida nos coloque para baixo, ela pode nos dar alguma alegria, embora muitas vezes momentânea. É algo visto na cena em que Thomas e Birgitta se divertem assistindo a um filme, parte mais descontraída da história (e o fato de isso ocorrer graças à arte para a qual Bergman dedicou boa parte de sua vida não deixa de ser algo curioso). Além disso, Paul diz: “A vida segue um arco cruel e sensual do berço até o túmulo”. É interessante ver esta mesma frase recitada no terceiro ato por Martin, que a completa com um simples (mas muito significativo): “Isso pode ser verdade para algumas pessoas”, em uma visão triste, mas real, sobre o que ocorre no mundo. Isso, inclusive, ganha maior espaço no filme na cena em que uma infeliz Birgitta vê de longe um casal de namorados tratando da melhor maneira possível uma gravidez.

Prisão não é um dos filmes pelos quais Ingmar Bergman se tornou mais lembrado. Isso é até compreensível, levando em conta o número de obras inesquecíveis que ele realizou depois. Mas certamente é um trabalho importante, que dá indícios das muitas coisas que ele veio a fazer ao longo da carreira.

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é crítico de cinema, formado em Produção Audiovisual na ULBRA, membro da SBBC (Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos) e editor do blog Brazilian Movie Guy (www.brazilianmovieguy.blogspot.com.br). Cinema, livros, quadrinhos e séries tomam boa parte da sua rotina.
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