Crítica

A espera costuma ser dimensionada pelo tempo. Mensurar horas, semanas ou anos faz toda a diferença. Saber que se está mais perto - ainda quando muito longe - transforma a angústia em esperança. Sentimento inviável apenas se a espera for como a de Cédric (Thomas Blanchard), protagonista de Prejuízo.

Longa de estreia do diretor belga Antoine Cuypers, o drama psicológico se passa durante um jantar na casa de campo da família de Cédric, no interior da França. A ambientação bucólica enfatiza o passado que a câmera não pôde captar. As relações familiares estabelecidas delimitarão o microcosmo criado há anos pelos personagens que conheceremos, em um espaço  do qual já não podem mais se livrar. O pai Alain (Arno) e a mãe (Nathalie Baye), cujo nome jamais saberemos, são os anfitriões do encontro que reúne a filha Carol (Ariane Labed) e seu marido Gaetan (Éric Caracava), e do filho mais velho Laurent (Julien Baumgartner) e sua esposa Cyrielle (Cathy Min Jung). A aparente confraternização se transformará em uma evento misterioso a partir do surgimento de Cédric.

Em um primeiro ato destinado a apresentar o protagonista e diferenciá-lo dos demais, a direção de Cuypers faz bom uso dos recursos narrativos. Enquanto os demais membros da família são retratados de maneira realista e enquadrados naturalmente, Cédric tem os closes e a simetria à sua disposição. O trabalho de luz e sombra, combinado ao tom monocórdico da atuação de Blanchard, composta de frases monossilábicas e balbucios, cria uma camada psicológica própria para o protagonista.

O desencontro evidente entre Cédric e a família será o ponto central do filme. A dificuldade em socializar se revelará aos poucos, assim como as hipóteses do espectador ao tentar decifrar a dívida oculta entre família e filho. A tensão se agrava quando a irmã Carol aproveita a reunião familiar para trazer à tona uma novidade. A vida que os outros estão experimentando desestabiliza Cédric, despertando nele um misto de revolta e cinismo. Não sem motivo. Cédric tem o sonho de conhecer a Áustria. Em seu quarto, cada centímetro está tomado pela reprodução do mapa do país vizinho. Ali, no único mundo que ele domina, estudou com afinco as rotas e as atrações turísticas para a viagem. Fez planos para conhecer os grandes lagos e desfrutar da natureza exuberante. Planejou minuciosamente cada etapa a fim de provar aos outros que estava pronto, sem nunca suspeitar que talvez jamais esteja.

Nas suas limitações e nas limitações de seu personagem principal, Prejuízo é uma correnteza turva. A responsabilidade que surge, seja pelo pai protetor ou pela mãe exigente, sugere que não devemos questioná-la. Lidar com Cédric significa lidar com tudo aquilo que nos foge o controle. Após a cena final, é praticamente impossível recuperar o início do filme. Não deixamos de lembrar dos preparativos para o jantar, claro, mas se torna incômodo demais pensar que uma trajetória marcada por tal promessa de felicidade possa resultar em tamanha frustração.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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