Crítica

Depois de mais de uma dezena de filmes centrados na estética realista, François Ozon consegue com Potiche – Esposa Troféu (Potiche,2010) um resultado digno de orgulhar Molière, o pai da comédia de costumes. Baseado na peça homônima de Pierre Barillet e Jean-Pierre Grédy, somos apresentados a Suzanne Pujol, a “esposa troféu” do título, logo no primeiro momento. Uma bonita senhora (a sempre linda Catherine Deneuve) exercita-se correndo alegremente em um bosque. Acompanha-a um fundo musical alegre, por demais adocicado, e uma natureza artificiosamente idealizada. Cabe a um pequeno diário guardar as anotações ao menor sinal de beleza pueril – um pequeno animal ou uma flor – assim como o seu sorriso se ocupa de transparecer o ideal Romântico do espírito humano em comunhão com a natureza.

Destinadas normalmente a apresentar os personagens ao espectador, as cenas iniciais ocupam, aqui, função um pouco distinta. Em uma sátira, Suzanne Pujol enquanto ela própria não existe – apesar de intuitivamente a aceitarmos como sendo tudo aquilo que nos é dado. Deste modo, a sequência descrita anteriormente serve não para que se compreenda o personagem psicologicamente (particularmente), por exemplo, mas para alertar o público acerca do tipo de caracterização que povoará o filme. Ou seja, cada personagem não nos será apresentado individualmente, mas será a representação do papel social que ocupa na França, em uma pacata cidade do final dos anos 70.

Assim, o enredo de Potiche se desenvolve a partir do momento em que o marido, Robert Pujol (Fabrice Luchini), sofre um ataque cardíaco devido à greve na sua fábrica de guarda-chuvas. As condições médicas o impedem de retornar ao trabalho e, consequentemente, negociar com os grevistas. Robert decide abrir mão da centralização da fábrica e escolher alguém para assumir o controle da situação momentaneamente. Depara-se, então, com a inexperiência da filha, uma direitista reacionária, e descarta o filho, um artista-pacifista-esquerdista. Ironicamente, a conjuntura aponta que a única saída está em entregar o comando à senhora Pujol.

Acontece que Suzanne assume a diretoria a contragosto por considerar-se une potiche e por ter de negociar com os sindicalistas. Ajudada pela secretária – e amante – do senhor Pujol, Suzanne faz da cena da negociação um momento de humor espontâneo ao comparecer à mesa de reivindicações vestida com trajes caros e armada unicamente da sua polidez, enquanto do outro lado os homens que lutam “pela causa” abusam do discurso vazio, das barbas malfeitas e das roupas caricatas.

Diferentemente do marido, a senhora Pujol demonstra um comportamento progressista, aberto ao diálogo e à inovação. Em pouco tempo a fábrica conhecerá o melhor momento em muito tempo e a popularidade da responsável por esta ascensão se tornará notável a ponto de fazer da amante do marido uma aliada. A recuperação de Robert, porém, traz uma disputa de poder para o seio da família Pujol. A tensão não passará em branco e gerará conseqüências para a reputação dos envolvidos.

A trama descrita acima exibe os elementos mínimos que permitem a François Ozon demonstrar compreensão sobre a engrenagem do gênero e, portanto, realizar uma comédia de costumes bastante eficiente. A pergunta que ressoa, no entanto, é por que adaptar a peça três décadas depois? Qual o interesse do diretor na gama crítica que qualquer obra do gênero guarda? A sátira costuma desempenhar um papel importante quando a liberdade de expressão parece ameaçada por qualquer forma de repressão, seja política ou moral, o que dificilmente nos leva a crer que esta seja uma boa resposta para as perguntas. Se Ozon, de outro modo, pretende afirmar que a França de hoje ainda preserva alguma das características daquele tempo, como a polaridade caricata e os preconceitos infantis, então talvez o tenha feito de forma excessivamente discreta; se a ideia, ainda, apela à diversão pela diversão, então a sátira social a partir de uma estrutura completamente superada aparenta ser um erro de percurso.

Sem essas respostas, sobra-nos a garantia, através dos estereótipos, de um humor raro, em certos momentos sofisticado, e a sensibilidade cinéfila de Ozon ao recuperar – e homenagear – François Truffaut com a presença do casal Catherine Deneuve-Gérard Depardieu, reeditando o encontro de O último metrô (Le dernier métro, François Truffaut, 1980).

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