Possessão
Crítica
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Sinopse
Um casal é atormentado pela instabilidade emocional e a infidelidade carnal. Então, as loucuras crescem, seus mundos se transformarão em pesadelos com um assassinato brutal.
Crítica
Política, desejo, ciúme, obsessão, são alguns dos pilares de Possessão (1981), dirigido pelo polonês Andrzej Zulawski. Muito do impacto causado surge, para além do conteúdo repleto de mensagens cifradas, dos artifícios que trazem ao exterior as complexas sensações dos personagens. A linguagem de Zulawski é seca, quebradiça, elíptica, não apenas para desestabilizar o espectador que segue o desenrolar da trama num misto de interesse e perplexidade, mas também como alusão ao fim da Guerra Fria, período responsável por tornar política e socialmente instável toda a Europa.
Mark (Sam Neill) acaba de voltar para casa, desliga-se do trabalho (provavelmente algo relacionado à polícia ou espionagem) para se dedicar à família. Encontra a esposa Anna (Isabelle Adjani) descontente, e não tarda a descobrir sua infidelidade, com isso iniciando doloroso processo de desintegração do casamento. Obsessivo, o homem inicia um jogo no qual o filho de ambos é peça-chave. Para visitar Bob (a criança) a mãe precisará continuar vendo também o pai amargurado. Dessa relação baseada na chantagem emocional, surgem pequenas e depois grandes violências, começando pelas psicológicas e culminando em agressões físicas. Do lado de cá, somos tragados pela atmosfera construída por Zulawski, pulamos de cena em cena, somos arrastados pelos travelings e nosso olhar é guiado direto à fraturada psique dos personagens.
Se no início percebemos Mark com elo frágil do rompimento, a parte com menos estrutura para segurar o tranco da separação, gradativamente Anna apresenta sinais de maior proporção à psicose desenvolvida pelo ex-marido. Zulawski extrai seu filme das bases reais para instaura-lo no campo da alegoria com o surgimento de uma criatura inumana, novo interesse amoroso/sexual da personagem de Adjani. Podemos entender tal ser disforme e ávido por sangue como a materialização da patologia mental que tira Anna completamente do prumo, fazendo-a, inclusive, assassina. Os reveses de humor, o retorno para arrumar a antiga casa sob o pretexto de ver o filho - por quem nunca espera de verdade -, a cada vez mais doente relação com Mark - ele mesmo em permanente estado de desorientação -, fazem de Anna (figura mais complexa do longa) tanto vítima quanto algoz de si.
Em Possessão é complicado diferenciar objetividade de subjetividade. Há indícios muito frágeis de quando (se é que) estamos na realidade ou na lógica distorcida dos personagens. À medida que o filme se entrega totalmente aos ditames da loucura, Deus e o embate entre destino e aleatoriedade passam a ser citados, assim como as esferas intangíveis e carnais formadoras do humano. Aliás, pensamento e carne nunca se dissociam em Possessão, enquanto um padece, a outra sangra.
Confesso ter me entediado, vez ou outra, com a reiteração de certos ideais, a aposta no alongamento das exposições (ainda que a duração das mesmas seja disfarçada pelos cortes abruptos), em detrimento da concisão. Por outro lado, o filme soar descontrolado, inquieto, lhe faz muito bem. De qualquer maneira, senti como se minha leitura fosse em parte prejudicada por uma abundância de importantes signos referenciais que me escaparam. Mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa. Assumir isso não é demérito algum, ainda mais frente à evidente força de um objeto cinematográfico não identificado destes, onde somos convidados irremediavelmente às profundezas da demência alheia.
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Muito interessante a crítica de Marcelo Muller, principalmente seu "mea culpa" em assumir a dificuldade em se conseguir uma leitura completa da trama, pois, em minha opinião, o que faz de "Possessão" uma grande obra cinematográfica é justamente sua complexidade e riqueza de simbolismos e ideias subliminares que, na maior parte do tempo, representam a força motriz da história, como se o "verbal" funcionasse apenas como um instrumento para expressar o poder do "não-verbal". Este efeito somado às poderosas interpretações de Isabelle Adjani (Anna) e Sam Neill (Mark) faz do filme uma obra densa, opção cinematográfica obrigatória para o espectador que gosta de mergulhar em águas profundas e obscuras da essência humana onde se embatem ferozmente e cruamente filosofia, religião, relações de poder, bem x mal, fé x não-fé, loucura x sanidade, deixando ao espectador a tarefa de localizar-se nesse labirinto de emoções, crenças e descrenças que tecem a vida humana e, ao mesmo tempo, demonstrando como é tênue o véu que separa (separa?) um conceito do outro. Para fruir toda essa viagem e afundar-se de corpo e alma na criação de Zulawski dispa-se de todo e qualquer conceito pré-existente ("pré-conceito/preconceito") sobre a essência humana e vista-se de um ceticismo quase nietzscheriano e, a partir desta sobriedade de alma, embriague-se até a última gota da loucura travestida de sanidade que habita em cada um de nós e que, por vezes, quer arrancar essa fantasia denominada "normalidade social" para vir à tona e liberar o verdadeiro "eu", sem travas nem amarras, sem culpas e sem castigos. Seria injusto encerrar este comentário sem destacar a cena do metrô, uma longa sequência em que Isabelle Adjani presenteia-nos com um denso e complexo caleidoscópio de emoções e ali demonstra toda sua força interpretativa, seu talento, sua total entrega, deixando claro ao espectador que ela não é apenas uma linda mulher, mas uma das maiores atrizes do cinema do fim do século XX. Recomendo...muito!